Título: Combate à lavagem de dinheiro será intensificado
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2009, Brasil, p. A4

A pecuária, a venda de combustíveis, o futebol, as operações cambiais para exportação e importação e as compras públicas foram identificadas como os setores da economia mais procurados por organizações criminosas para a lavagem de dinheiro. Segundo relatórios do governo a que o Valor teve acesso, todas essas atividades deverão passar por restrições nos próximos meses.

A escolha desses setores ocorreu no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que reúne mais de 70 órgãos públicos com o objetivo de definir ações para evitar a ocultação de dinheiro obtido por meio de atividades ilícitas. Inicialmente, os órgãos do governo procuraram identificar como se dá o uso de cada um desses setores pelo crime organizado. Cada um apresentou um relatório no qual verificou casos suspeitos e práticas ilegais. Logo depois, eles definiram metas para impedir o crime de utilizar esses setores da economia.

Os relatórios de inteligência da Enccla não citam nomes de pessoas nem de empresas, pois o objetivo deles é identificar as práticas criminosas para, em seguida, propor alterações legislativas ao Congresso e também no campo de normas da Receita Federal, da Fazenda e do Banco Central.

No caso da Receita, a principal medida em debate é a imposição de novos controles sobre operações de câmbio para a exportação e importação. Isso porque, em julho de 2006, o BC parou de fiscalizar os recursos provenientes de exportações, criando uma brecha para o crime. Desde então, não há mais investigações pontuais sobre operações desse tipo.

Ao todo, são registradas 18 mil operações cambiais todos os dias no Brasil, como remessas, pagamentos, importações, exportações e dividendos. Elas ficam no sistema do BC, mas os bancos não são obrigados a repassar às autoridades os detalhes de cada operação, como o número do contrato e as suas justificativas legais. Por esse motivo, a Receita estuda a criação de um sistema centralizado que permitiria o controle de operações de câmbio como era feito antes pelo BC. O objetivo é fechar as portas para que esses contratos não sejam mais utilizados como meio de remessas ilegais e de lavagem de dinheiro tanto para capitais que saem quanto para aqueles que entram no país.

Também está em estudo a imposição de uma nova regra às empresas para obrigá-las a informar os seus contratos de câmbio ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), o que iria garantir um maior controle.

Na área de compras públicas, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça fazem, desde dezembro de 2008, comparações entre as licitações feitas por um mesmo órgão público para verificar se grupos de empresas se revezam entre as vencedoras. Com o auxílio de avançados programas de computação, a CGU está passando um pente fino em todas as licitações realizadas recentemente no país. Os controladores já verificaram que foram dispensados R$ 1,15 bilhão em licitações do governo, nos últimos dez anos, em 326 mil casos.

No setor de pecuária, o Coaf deverá fazer um levantamento das práticas dos frigoríficos e a PF vai investigar com maior frequência os leilões de gado no país.

No setor de combustíveis, o objetivo maior é identificar os quadros societários de donos de postos de gasolina, pois há fortes suspeitas de que eles são "laranjas" para o crime organizado.

No futebol, os Tribunais de Contas dos Estados vão verificar os repasses de dinheiro de prefeituras para clubes e fazer um levantamento dos incentivos fiscais concedidos. Essas informações serão enviadas para diversas autoridades, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que já identificou um esquema de supervalorização na transferência de jogadores para o exterior, no qual empresários sacam altas quantias de dinheiro na Espanha, geram dívidas para os clubes brasileiros e, depois, depositam o capital em paraísos fiscais. "Esse dinheiro tem sido utilizado para pagar os direitos de imagem dos jogadores em outros países ou para pagar inversões por conta de seus acionistas majoritários em negócios no exterior", diz relatório da Abin.

Mesmo sem os nomes dos criminosos, os relatórios mostram como o crime conseguiu entrar em atividades que movimentam centenas de bilhões de reais. Somente em compras públicas, o governo gasta R$ 300 bilhões por ano. As remessas de dinheiro para fora do país atingiram US$ 610 bilhões no ano passado. A pecuária gera um faturamento anual de R$ 50 bilhões por ano. São setores considerados vulneráveis a operações de lavagem de dinheiro.

Em todos eles, o maior desafio das autoridades é o de identificar as tipologias de crimes - as formas escolhidas pelos criminosos para esconder a lavagem de capitais. É o que as autoridades chamam de "modus operandi" das organizações criminosas.

No setor de exportações e importações, por exemplo, um relatório aponta que, quase concomitantemente ao fim do controle exercido pelo BC sobre essas operações, em julho de 2006, o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) identificou um caso em que uma companhia brasileira fez um contrato para exportar soja para a Alemanha, através de navios, mas o produto nunca foi embarcado. Em compensação, o dinheiro relativo à soja foi repassado para uma terceira empresa que não tinha relação direta com o negócio.

No caso do futebol, o Gafi concluiu que é necessária a criação de mecanismos de cooperação entre as unidades de inteligência de diversos países para facilitar a troca de informações sobre a compra e a venda de jogadores. Para o Gafi, o investimento no futebol constitui ameaça à estabilidade do sistema financeiro, pois é um dos negócios mais lucrativos do mundo.

A França e a Inglaterra possuem órgãos reguladores para impedir o uso desse esporte pelo crime organizado. A Enccla discute, desde 2008, a necessidade de criação de uma agência reguladora para o futebol, mas essa recomendação ainda não foi levada para o Palácio do Planalto nem para o Congresso.

Na pecuária, a Enccla apontou como grande dificuldade a falta de um órgão controlador para identificar a quantidade real de gado no país e estimar o valor dos rebanhos bovinos.

No setor de combustíveis, as autoridades encontraram gestores de negócios com ligações diretas com líderes de organizações criminosas que se encontram presos, no Estado de São Paulo. Elas concluíram que a falta de regras para a identificação da origem dos recursos para compra de postos é um dos caminhos utilizados para lavar dinheiro. Organizações criminosas financiam aquisições e vendas de postos através de "laranjas" e a alta rotatividade dessas operações atrapalha as investigações. O setor de combustíveis foi descrito como um mais um "ambiente obscuro e informal, um caminho para o crime".