Título: Deputados ameaçam votar pelos Estados, à revelia dos partidos
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2009, Política, p. A14

A combinação de interesses federativos e eleitorais levou a discussão do modelo de exploração do petróleo na área do pré-sal pela Câmara dos Deputados a um impasse comparável ao provocado pela reforma tributária. A disputa por royalties e Participação Especial (PE) não coloca apenas o Nordeste contra o Rio de Janeiro. Dos 27 Estados, 24 sairiam ganhando com uma distribuição mais equânime da receita resultante das novas reservas.

Se consideradas integralmente as bancadas da Câmara, isso significa 387 deputados contra 126 (Rio, Espírito Santo e São Paulo, Estados que têm campos petrolíferos de pré-sal defonte de seu litoral). Em período pré-eleitoral, os deputados não estão dispostos a votar contra os interesses dos seus Estados, independentemente de partido. "Somos base governista, mas, primeiro, somos deputados dos nossos Estados. Devemos satisfação muito mais para os eleitores", afirma o líder do PR, Sandro Mabel (GO).

Deputados do PT do Nordeste comunicaram às lideranças que não permitirão que o governo seja derrotado na mudança de modelo de exploração para o pré-sal (partilha em vez de concessão, como é hoje), mas não aceitam manter o que consideram "privilégios" dos produtores.

A dificuldade política em torno do projeto mais importante do marco regulatório do pré-sal levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a autorizar o relator, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), a mexer na receita dos campos de pré-sal já licitados.

Pelo acordo, a União abre mão de parte da receita que lhe cabe na exploração desses poços. O recurso irá para o bolo que é repartido a todos os Estados e municípios do país, segundo critérios dos fundos de participação (FPE e FPM). Seria preservada a parte dos confrontantes.

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), disse que não negocia "um centavo" dos campos já concedidos, porque muda contrato em vigor. Tirar da União evita questionamento jurídico. "Sou base, mas os Estados não produtores têm razão de querer receber recursos da parte licitada", diz o relator.

Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), em 2008 o pagamento de royalties e participação especial pela exploração de petróleo no país rendeu R$ 22 bilhões. Os Estados produtores ficaram com 35% (dos quais mais de 80% com o Rio de Janeiro), os municípios produtores com 22% e a União, 39%. Apenas 4% foram para o fundo que é repartido entre todos os Estados e municípios.

O relator mudou a distribuição para os campos de pré-sal. A PE deixa de existir, mas o volume de royalties a serem pagos pelas empresas é ampliado de 10% para 15% da produção. Novos percentuais de repartição foram definidos pelo relator, ampliando significativamente a receita destinada a todos os Estados e municípios do país: de 7,5% para 44% dos royalties (22% para Estados e 22% para municípios).

Essa nova repartição passa a vigorar apenas na exploração dos campos de pré-sal ainda não licitados. A proposta inicial do relator era manter a regra atual para a área já concedida, o que resultaria em grande benefício para os confrontantes desses campos. Estima-se que os campos licitados - como Tupi (RJ) e Jubarte (ES) - correspondam a cerca de 28% do total da área do pré-sal.

Os Estados não produtores ficaram insatisfeitos, a começar pelos do Nordeste. Isso, porque não existe previsão de exploração dos futuros poços.

"O país não tem capacidade de explorar esses campos agora. A receita resultante de sua produção é virtual. O real, agora, é o pré-sal já licitado. Esse é o objeto da disputa", afirma o líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF).

Representantes dos Estados cujo litoral não é confrontante com campos de pré-sal argumetam que, por se tratar de poços localizados a uma distância de cerca de 200 a 300 quilômetros do litoral, nenhuma unidade da federação tem direito ao tratamento diferenciado garantido constitucionalmente aos produtores, pela exploração de petróleo em seus territórios.

"O mar territorial é da União. Não há razão para os Estados serem compensados pela exploração de petróleo no mar. Os ditos confrontantes não sofrem impacto algum" diz o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). O gaúcho é co-autor de uma das emendas ao projeto, juntamente com Humberto Souto (PPS-MG).

A proposta destina ao fundo distribuído ao país todo, segundo o FPE e FPM, a receita integral dos Estados resultante das compensações pagas pela exploração dos campos petrolíferos localizados no mar (da camada pré-sal ou não) . Seria preservada a parte da União, mas não haveria distinção entre produtores e os demais. Pinheiro e Souto estão colhendo assinaturas e já conseguiram cerca de 200 apoios.

Nos corredores da Câmara, deputados de diferentes Estados e partidos dizem estar dispostos a votar a favor da emenda de Souto e Pinheiro, caso não considerem satisfatório o acordo que está sendo negociado pelo governo. "Se eles (os produtores) ficarem nessa intransigência, não levam nada", afirma Mabel.

Segundo o relator, a votação do projeto da partilha deve ocorrer entre os dias 8 e 9 de dezembro, após Lula retornar da viagem a Portugal, Ucrânia e Alemanha. "O presidente quer estar aqui para acompanhar a votação, porque esse é o projeto de maior complexidade, o que define a partilha e a Petrobras como operadora única dos campos", disse.

Até lá, ele espera concluir as alterações em seu parecer. Segundo Henrique Alves, os recursos destinados aos confrontantes serão preservados, para que não haja questionamento jurídico futuro.

Lideranças do PT preferem tentar votar logo o projeto da partilha. Acreditam haver votos suficientes para aprovar o relatório, com as mudanças necessárias. A dificuldade, segundo eles, é a obstrução da oposição.

Por isso, na sexta-feira propuseram a Lula ceder à reivindicação da oposição e permitir a votação o projeto que trata da política de reajuste do salário mínimo (e tem emenda estendendo a mesma regra para aposentadorias e benefícios da Previdência Social de valor maior) em troca da votação dos projetos do pré-sal.

Se o projeto do salário mínimo fosse aprovado, Lula teria de arcar com o desgaste de vetar o dispositivo relativo aos aposentados - cujo impacto nas despesas da Previdência é calculado em R$ 6,15 bilhões ao ano. O mais provável é a inversão de pauta para que o projeto da capitalização da Petrobras seja votado nesta semana.