Título: Voto contra as Farc
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 20/06/2010, Mundo, p. 22

Ex-ministro da Defesa chega hoje ao segundo turno da eleição presidencial com mais de 60% de apoio popular e com um programa de governo centrado no fim da guerrilha

Caso os resultados das últimas pesquisas se confirmem, o governista Juan Manuel Santos chegará à Casa de Nariño credenciado para manter a política de combate direto às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Ex-ministro da Defesa do atual presidente Álvaro Uribe, ele goza da preferência de 19,5 milhões dos cerca de 30 milhões de eleitores que deverão hoje retornar às urnas para o segundo turno. Em seus recentes pronunciamentos, deixou claro que prosseguirá com os resgates de sequestrados pela guerrilha esquerdista. Tanto Santos quanto seu rival, o filósofo e matemático Antanas Mockus, descartam negociar com os rebeldes ¿ ao menos enquanto tiverem reféns em seu poder.

O colombiano Vicente Torrijos, professor de ciências políticas e relações internacionais da Universidad del Rosario (em Bogotá), acredita que o novo governo colombiano terá a oportunidade de criar um grande programa nacional de emprego, a fim de que o cidadão se sinta cada vez mais capacitado e fortalecido na defesa da democracia. O conflito(1), que já expulsou 3 milhões de pessoas de seus lares, conseguiu aglutinar o Congresso e a população colombiana em torno de Santos. ¿Nunca antes se havia visto um triunfo tão arrebatador em todas as regiões do país. Nunca o Congresso havia demonstrado tanto apoio a um candidato¿, afirma, por e-mail, Torrijos, para quem ¿esse grande capital não pode ser desperdiçado¿.

Com essa concentração de respaldo ao ex-ministro de Uribe, o especialista da Universidad del Rosario espera a continuidade da atual Política de Segurança Democrática, fundada na autoproteção ativa do cidadão e de seu sistema de valores democráticos. De acordo com Torrijos, a paz na Colômbia é ameaçada pela conexão entre as drogas e o ¿terrorismo¿ das Farc e pela ajuda que a guerrilha recebe de governos marxistas vizinhos. ¿O melhor que as Farc poderiam fazer frente ao governo é iniciar um processo de submissão à Justiça. E o melhor que poderiam fazer o presidente (venezuelano) Hugo Chávez e seus aliados é deixar de promover o terrorismo como um mecanismo para tratar de expandir sua revolução¿, diz o analista.

O costarriquenho Juan Carlos Hidalgo, coordenador de projetos para a América Latina do Cato Institute (em Washington), defende a estratégia de segurança de Uribe no provável governo de Santos. ¿Se ela tem funcionado, porque mudá-la, agora que as Farc se encontram no leito de morte?¿, questiona o analista, em entrevista por e-mail. ¿O segredo é continuar com o resgate de reféns, que tem sido exitoso, e seguir infligindo golpes nos cabeças da guerrilha. Não há espaço para negociação de qualquer tipo¿, acrescenta.

Enfraquecimento Hidalgo lembra que as Farc vêm de um processo marcado e contínuo de enfraquecimento há vários anos. ¿Seus principais líderes têm sido assassinados, um número considerável de reféns foi libertado ¿ incluindo os mais emblemáticos ¿ e acelerou-se o processo de deserção nas fileiras do grupo, que continua sendo perigoso¿, observa. Apesar de reconhecer atentados contra alvos civis e várias cidades colombianas, no início deste ano, Hidalgo acredita que a guerrilha se encontra tão debilitada que chegou a um ¿ponto sem retorno¿. ¿É praticamente impossível que as Farc se reagrupem e representem uma ameaça ao Estado, como eram no início da década passada¿, garante.

Torrijos pensa um pouco diferente. Ele crê que a derrota de um adversário armado pode conceber-se de várias maneiras. E aposta que as Farc ainda poderiam negociar sua submissão à Justiça. ¿A guerrilha caiu numa espécie de `reumatismo armado¿: ela sobrevive, mas não pode se mover. E é isso o que se entende oficialmente por derrota¿, diz. O colombiano salienta que as únicas bases sobre as quais uma ¿autêntica democracia¿ pode contemplar um acordo humanitário envolve três fatores. ¿Em primeiro lugar, o fim das hostilidades e dos sequestros; em segundo, a liberdade incondicional para todos os reféns; em terceiro, a deposição imediata das armas.¿

1 - Fronteiras fechadas Para garantir a segurança nacional durante a votação, a Colômbia decidiu fechar as fronteiras com Brasil, Equador, Panamá, Peru e Venezuela, entre 4h e 16h (hora local). As autoridades eleitorais decidiram ainda impor a Lei Seca até após o fechamento das urnas ¿ a venda de bebidas alcoólicas está proibida. Na região sudoeste do país, 16 mil policiais foram mobilizados para evitar atentados da guerrilha e fraudes. A expectativa é de que os resultados sejam conhecidos no início da noite de hoje.

Golpes nos rebeldes

As principais derrotas sofridas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) nos últimos anos:

A morte de Raúl Reyes O vice-líder e comandante das Farc, Raúl Reyes, foi morto durante uma operação do Exército da Colômbia, em março de 2008. O governo de Álvaro Uribe pagou US$ 2,5 milhões a um informante que ajudou os militares a chegarem ao acampamento de Reyes. O incidente deflagrou uma crise diplomática com o Equador ¿ a operação militar ocorreu dentro do território equatoriano.

O fim de Manuel Marulanda Fundador e líder das Farc, Manuel Marulanda ¿ o Tirofijo ¿, teria sucumbido a um enfarte, em 26 de março de 2008. A notícia foi dada pela primeira vez pelo ministro da Defesa e atual candidato à Presidência, Juan Manuel Santos. Em maio de 1964, Marulanda criou as Farc depois que 48 fazendeiros armados foram atacados pelo Exército no enclave de Marquetalia, no sul da Colômbia.

A libertação de Ingrid Betancourt A ex-senadora e ex-candidata à Presidência da Colômbia Ingrid Betancourt era o principal trunfo da guerrilha. Capturada e mantida refém desde 23 de fevereiro de 2002, foi libertada em 3 de julho de 2008, numa ação cinematográfica do Exército. A Operação Xeque contou com a infiltração de militares nas Farc. Os intrusos ganharam a confiança dos líderes e os convenceram a mover os reféns, sob a alegação de que seriam vistoriados por uma ¿missão internacional¿. Além de Ingrid, 14 foram soltos.

O mais recente resgate No domingo passado, forças colombianas lançaram a Operação Camaleão, que resultou no resgate de três reféns das Farc: o general Luis Mendieta, o coronel Enrique Murillo e o sargento Arbey Delgado. No dia seguinte, o coronel William Donato Gómez foi encontrado após fugir e se esconder na mata. A ação envolveu uma operação de inteligência altamente especializada e uma troca de tiros que durou 20 minutos.