Título: Recuo chinês e americano reanima conferência do clima
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/11/2009, Opinião, p. A14

As esperanças de que passos concretos para deter o aquecimento global sejam tomados na Conferência do Clima em Copenhague foram renovadas, depois de um inacreditável e provisório passo em falso dado pelos Estados Unidos e pela China. Em reunião da Asean, que reúne os países asiáticos, o presidente Barack Obama e dirigentes chineses afiançaram que nenhuma meta ou compromisso seria referendado na conferência, mas apenas de um acordo político vinculante de definição vaga e contornos nebulosos. Os dois países prestaram-se então à caricatura fácil de vilões do clima - os dois maiores emissores de gases que provocam efeito estufa se unindo para impor sua vontade ao mundo. A posição era insustentável e não durou um par de dias. A reação geral permitiu que não se instalasse um retrocesso: Rússia, Coreia do Sul e uma série de países em seguida apresentaram metas de cortes das emissões de CO2, colocando as cartas na mesa para um jogo que pode ainda ser ganho na capital da Dinamarca.

Anteontem, o presidente Obama disse que os EUA se comprometeriam com uma redução de 17% das emissões com base em 2005, o que significaria um corte de algo entre 3% e 5% em relação a 1990, o ano base para a contagem estabelecido pelo Protocolo de Kyoto, que não foi ratificado pelos EUA. É um corte pequeno, quase insignificante para o segundo maior emissor, responsável por 15,5% do total de CO2 despejado na atmosfera. Mas há outros fatores relevantes a considerar, além da meta.

Os EUA deram um passo decisivo para entrar na luta contra o aquecimento global, da qual ficaram de fora por muito tempo. O jogo político americano colocou um grande peso nas costas de Obama, que não poderia se comprometer com números mais significativos, ainda que quisesse, porque o Congresso americano não votou sua lei ambiental e não o fará antes da reunião de Copenhague. Obama se ateve aos 17% da legislação aprovada pela Câmara como meta mínima. O projeto que tramita no Senado propõe corte de 20%. E, de qualquer forma, os EUA se comprometem a chegar em 2050 com redução de 83%, o que significa que os compromissos americanos, muito modestos no curto prazo, deverão crescer ao longo do tempo.

Ontem foi a vez da China vir a campo e mostrar "medidas nacionais" que perseguirá para aumentar a eficiência do uso da energia. O governo chinês disse que até 2020 reduzirá a intensidade de carbono, a quantidade emitida por unidade de produto, de 40% a 45%. O premiê Wen Jiao Bao participará da conferência de Copenhague, um sinal de que os chineses poderão ter não só mais cartas a colocar na mesa. O primeiro escalão do governo chinês não costuma ir a eventos desse tipo apenas para posar para fotos.

Uma enorme pressão se coloca agora sobre a Índia, o sexto maior emissor de CO2 do mundo, responsável por 5% do total de gases que provocam efeito estufa lançados no planeta. O Brasil, depois de tergiversar por longo tempo, abraçou a ideia de apresentar metas de redução e agora defende firmemente esta posição. A Rússia, que "salvou" Kyoto ao garantir o "quorum" mínimo para a assinatura do protocolo, ao completar a lista de países responsáveis por 55% das emissões, apresentou como objetivo um corte de 25% em relação ao ano de 1990. A meta é enganosa: em 2007, a Rússia já cortara em 40% o lançamento de gases-estufa. Depois que a China resolveu mostrar mais boa vontade e lançar no ar alguns números, restou apenas a Índia com uma retórica intransigente. Há divisões no governo, onde alguns setores acreditam ser insustentável a posição de não se comprometer com nada em Copenhague, quando o país será um dos mais atingidos pelo aquecimento global.

A dimensão real da proposta brasileira, de cortes entre 36,1% e 38,9% das emissões até 2020 em relação ao total que seria lançado se nada fosse feito, apareceu anteontem, com a divulgação do inventário preliminar das emissões. Elas chegaram em 2005 a 2,2 milhões de toneladas. Com isso, os cortes em relação a 2005 corresponderão a uma redução de 25% ante o cenário de inação. Na comparação com 1990, haveria aumento de 20%. Seja como for, é importante que ela seja cumprida. De 1990 a 2005, as emissões do país cresceram 62%, mais do que o dobro dos 28% da média mundial.