Título: O inimigo das Farc chega à Presidência
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/06/2010, Mundo, p. 18

Juan Manuel Santos, ex-ministro da Defesa de Uribe, confirma o favoritismo e derrota filósofo em eleição marcada pela alta abstenção

Os grupos armados até tentaram, mas não impediram que seu maior inimigo vencesse ontem as eleições na Colômbia, marcada pela violência e pelo alto índice de abstenção. Até as 21h30 de ontem (hora de Brasília), com 99,91% das urnas apuradas, o governista Juan Manuel Santos (leia o perfil abaixo) ¿ ex-ministro da Defesa do atual presidente Álvaro Uribe ¿ derrotou o filósofo e matemático Antanas Mockus, ao obter 9.004.221 (69,05%) dos votos, contra 3.588.819 (27,52%). Mais que a confirmação das pesquisas eleitorais, que davam a Santos cerca de 65% dos votos, a vitória de ontem teve um significado histórico. Pela primeira vez em 51 anos de democracia, um candidato a presidente conseguiu praticamente unificar o mapa político do país: 31 dos 32 departamentos (estados) da Colômbia votaram em Santos, que só perdeu em Putumayo (sudoeste).

De acordo com a Comissão Eleitoral, cerca de 13,3 milhões dos 29,9 milhões de cidadãos inscritos exerceram o direito de escolher seu presidente. A alta taxa de abstenção (56%) teria sido provocada pela chuva e pela partida da seleção brasileira contra a Costa do Marfim, pela Copa do Mundo.

Por volta das 20h de ontem (hora de Brasília), Mockus reconheceu a derrota e cumprimentou o rival. ¿Felicito o doutor Juan Manuel Santos e a todos aqueles que votaram por ele¿, disse, prometendo que seu Partido Verde terá independência e deliberação em relação ao novo governo. Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Santos afirmou que ¿chegou a hora da unidade nacional¿. ¿A partir desse momento, sou o presidente eleito de todos os que me apoiaram e de todos os que não me apoiaram¿, declarou.

Pouco antes, Uribe havia telefonado para Santos, parabenizado o ex-ministro. ¿O presidente disse que se une à alegria por sua vitória¿, disse César Mauricio Velázquez, assessor de imprensa da Presidência. ¿Uribe afirmou: `Peço a Deus todo sucesso para você e sua família¿.¿

Por telefone, o colombiano Vicente Torrijos, professor de ciências políticas e relações internacionais da Universidad del Rosario (em Bogotá), disse ao Correio que três fatores explicam o triunfo incontestável do ex-ministro. ¿O primeiro deles é a habilidade de Santos de fazer alianças com o conservadorismo e com o liberalismo. Depois do primeiro turno, ele deixou de ser o escudeiro do presidente Uribe para passar a construir seu próprio projeto hegemônico. Apenas a esquerda marxista ficou de fora desse processo¿, disse. ¿O segundo é a combinação entre a segurança democrática ¿ a luta contra o terrorismo ¿ com uma iniciativa de pleno emprego, cujo lema era `trabalho, trabalho e mais trabalho¿. Isso passou a ocupar um lugar muito importante no imaginário político dos colombianos¿, acrescenta.

Segundo Torrijos, o terceiro fator envolve o intervencionismo do presidente venezuelano, Hugo Chávez, nos assuntos internos da Colômbia, durante o primeiro turno. ¿A população cerrou fileiras em torno de Santos, como numa espécie de apoio moral nacionalista¿, comenta. Para o cientista político, Mockus também comentou erros decisivos. ¿Foram tantos os enganos processuais e jurídicos, que ele mesmo chegou a se definir como o campeão dos gols contra do Partido Verde¿, lembra. Desde o fim do primeiro turno, Mockus não conseguiu forjar uma aliança sequer, nem mesmo com a esquerda marxista do Polo Democrático.

Tão logo tome posse como presidente da Colômbia, em 7 de agosto, Santos dará continuidade à política de segurança de defesa. ¿Ao elegê-lo, a população praticamente escolhe o ministro da Defesa, responsável pela luta contra o terrorismo e contra os países hostis¿, acredita Torrijos. ¿Ele contará com uma folgadíssima maioria no Congresso e com uma oposição frágil.¿

Confrontos No departamento de Norte de Santander, sete policiais morreram em uma emboscada com explosivos na zona rural. ¿Temos um fato muito lamentável: o ataque a uma patrulha da polícia com explosivos que deixou sete policiais mortos¿, disse à France-Presse a secretária de governo, Margarita Silva. O atentado ocorreu no município de Timbú, às 11h (13h em Brasília) e foi reivindicado pelos rebeldes do Exército de Libertação Nacional. Quatro militares foram assassinados nos departamentos de Antióquia (noroeste) e de Meta (centro-leste).

PERFIL - JUAN MANUEL SANTOS O economista que comandou a guerra total ao terrorismo

Silvio Queiroz

Não foi esta a primeira vez que a Presidência da República entrou a sério nos planos de Juan Manuel Santos. Em 1997, quando integrava a troica que dirigia o Partido Liberal, licenciou-se para lançar a pré-candidatura à sucessão do então correligionário Ernesto Samper, no ano seguinte. O candidato acabou sendo o ministro Horacio Serpa, e a sequência de três governos liberais foi quebrada pelo conservador Andrés Pastrana. Dois anos mais tarde, lá estava Santos seguindo sua movimentada carreira pública como ministro da Fazenda: na Colômbia, por quase dois séculos, os dois grandes partidos encenaram no palco político o tema de Caim e Abel, ou Esaú e Jacó. Inclusive por serem filhos gêmeos da mesma oligarquia.

O próximo titular da Casa de Nariño é sobrinho-neto do presidente Eduardo Santos (1938-1942), um liberal. Sua família foi dona do diário El Tiempo, o principal do país, até anos atrás, quando se associou ao grupo espanhol Planeta, este como acionista majoritário.

Nascido em 10 de agosto de 1951, em Bogotá, Juan Manuel Santos cursou as melhores escolas, formou-se em economia e administração e fez pós-graduações em duas das mais prestigiadas instituições do mundo: a London School of Economics e a Universidade de Harvard (EUA). Ele e seus contemporâneos formaram-se como cidadãos ouvindo pais, avós e tios contando histórias do Bogotazo, como ficou conhecida a revolta popular após o assassinato do caudilho liberal Jorge Eliécer Gaitán, em 1948. O país mergulhou por 10 anos na guerra civil, conhecida como A Violência, de cujos desdobramentos surgiram, em 1964, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

A guerrilha já havia cruzado o caminho do novo presidente de maneira insuspeita nos anos 1960, quando foi cadete na Escola Naval de Cartagena. Entre seus colegas estava um certo Ricardo Palmera, que mais tarde se tornaria Simón Trinidad, integrante do Estado Maior Central das Farc. Capturado no Equador em janeiro de 2004 e extraditado para os EUA em dezembro do mesmo ano, ele hoje cumpre condenação a 60 anos de prisão por narcotráfico.

A queda de Trinidad foi o primeiro sinal de que a política de guerra total adotada por Uribe a partir de 2002 começava a atingir os rebeldes. Mas foi no segundo mandato, iniciado em 2006, que o atual presidente colecionou seus maiores troféus de campanha. E seu ministro de Defesa era Juan Manuel Santos, que se apresentou para a sucessão como o mais credenciado a continuar a obra. Foi sob sua batuta que, em março de 2008, as Forças Militares abateram em um bombardeio o líder guerrilheiro Raúl Reyes. Dois meses depois, morreu do coração o fundador das Farc, Manuel Marulanda, o Tirofijo. Passados mais dois meses, a Operação Xeque resgatou, sem um disparo sequer, a ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt, refém desde 2002.

Juan Manuel Santos reencarnou o jornalista para escrever Xeque ao terror, recém-lançado com prefácio do escritor mexicano Carlos Fuentes. Embora ressalte que não acompanha o autor ¿em tudo o que ele diz¿, Fuentes apresenta-o como ¿amigo¿ e ¿melhor aluno¿. E lembra que Santos, por suas qualidades, já tinha merecido uma profecia: ¿Em meu romance La silla del águila (`A cadeira da águia¿), previ que ele chegaria à Presidência em 2020. Tomara que chegue antes.¿