Título: Maioria defende 'retaliação cruzada'
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2009, Política, p. A8

A maioria dos parlamentares brasileiros (58%) diz ser favorável a usar medidas contrárias aos direitos de propriedade intelectual das empresas estrangeiras como arma contra países que descumprem os compromissos na Organização Mundial do Comércio - a chamada "retaliação cruzada", que o governo pretende usar contra os Estados Unidos como represália aos subsídios ilegais ao algodão americano. A descoberta consta de uma pesquisa do Ibope, inédita, patrocinada por empresas com atuação no Brasil.

Para o Ibope, é grande o desconhecimento e a inconsistência nas opiniões dos parlamentares sobre propriedade intelectual. Em entrevista com cem deputados e senadores, entre setembro e outubro deste ano, o Ibope constatou que continua em torno de 65% o percentual de parlamentares que diz conhecer mais ou menos ou conhecer bem a legislação sobre propriedade intelectual (entre 2008 e 2009 subiu de 5% para 15% os que afirmam "conhecer bem" a lei). Caiu, de 54% para 44%, porém, o percentual dos que dizem ter "muito" interesses no assunto.

Alguns resultados mostram tendências preocupantes para a Coalizão Brasil Intelectual, grupo de empresas capitaneado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), que patrocinou a pesquisa. Embora 56% dos entrevistados acreditem que melhorou o ambiente para inovação e proteção à propriedade intelectual nos últimos cinco anos, aumentou a parcela dos políticos que não confia na tese de que a propriedade intelectual estimula investimentos em descobertas científicas e tecnológicas.

O número de parlamentares para quem as empresas lucram mais com a proteção à propriedade intelectual do que usam essa vantagem para investir em descobertas cresceu, de 65% para 67% neste ano, em relação a pesquisa feita no ano passado. Para 65% (eram 73% em 2008), produtos com maiores margens de lucro dependem muito mais de investimentos locais em tecnologia e ciência que da proteção à propriedade intelectual. Paradoxalmente, 77% crê que a proteção á propriedade intelectual seria um incentivo aos fabricantes de medicamentos genéricos para dedicar-se a produtos inovadores. E mais de 90% concorda que proteger a propriedade intelectual estimula descobertas benéficas à saúde da população e incentiva a inovação tecnológica.

A pesquisa faz parte do esforço das grande indústrias para reforçar os mecanismos de defesa dos direitos de propriedade intelectual e punição ao desrespeito desses direitos. Um dos alvos das empresas, que criaram no ano passado a Coalizão Brasil Industrial, é avançar projetos que se arrastam no Congresso, como o projeto 333/99, do então deputado Antônio Kandir, que reforça as penas e regula a destruição de produtos em casos de violação de marcas e concorrência desleal, há dez anos em tramitação.

Hoje, no Congresso, a Coalizão promove um seminário sobre o tema, a partir da constatação de que mesmo entre parlamentares que declaram conhecer e se interessar por propriedade intelectual, há "percepções e opiniões incoerentes".

Os empresários se incomodam com o fato de que, mesmo entre os políticos que mostram compreender o tema da propriedade intelectual, essa compreensão se concentra nos aspectos legais da proteção do valor garantido pelo capital intelectual ou pelas inovações. O setor privado quer firmar entre os parlamentares o que chama de "agenda positiva": a ideia da proteção à propriedade intelectual como instrumento para desenvolvimento e estímulo à inovação e competitividade.

No Congresso, um outro lobby ativo defende posições opostas às da Coalizão empresarial: a ativa rede de organizações não governamentais conhecida como Rebrip, que se dedica ativamente a defender os genéricos e criticar os excessos nos monopólios garantidos pelos direitos de propriedade intelectual. "Alguns projetos de lei, ao contrário de promover o desenvolvimento, criam entraves para a circulação de conhecimento e pesquisas", acusa a pesquisadora do Rebrip Renata Reis. "Estudos da Organização Mundial de Saúde, do sistema das Nações Unidas e universidades mostram que cada vez mais há registros de patentes que só ampliam alcance de patentes já existentes e criam até problemas de saúde pública", argumenta ela.