Título: Turbulência em Dubai ainda promete desdobramentos
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Fonte: Valor Econômico, 03/12/2009, 0pinião, p. A16

Apesar de os mercados terem aparentemente superado o choque causado pelo calote do emirado árabe de Dubai, não se pode dizer que todos os problemas foram superados. A real extensão da dívida a ser renegociada ainda não foi dimensionada, nem vieram à tona os nomes de todos bancos envolvidos. A consequência mais esperada desse fato é nova onda de retração do crédito, que pressionará outras empresas e países endividados. Uma repercussão já dada como certa é o atraso no desmonte das medidas lançadas pelos governos para debelar a crise internacional.

A nova turbulência explodiu na semana passada, na véspera do feriado muçulmano de quatro dias, o Eid, quando a Dubai World, holding estatal de Dubai, e sua divisão imobiliária, a Nakheel, anunciaram que não podem pagar US$ 3,5 bilhões em dívidas que vencem dia 14.

No primeiro momento, as bolsas de valores caíram no mundo todo, puxadas pelas ações de bancos expostos a tomadores árabes. Os bônus sukuk, emitidos por empresas árabes, também perderam valor. O banco central dos Emirados Árabes Unidos (EAU) socorreu os bancos locais e filiais de estrangeiros.

Já os credores da Dubai World, que investe em imóveis, portos e entretenimento em vários países e deve US$ 59 bilhões, foram abandonados à própria sorte uma vez que Dubai recusou-se a garantir os títulos da empresa, apesar dela ser estatal. A queda dos preços do petróleo afeta as finanças da região.

As primeiras informações indicam que a Dubai World quer reestruturar o pagamento de cerca de US$ 26 bilhões em dívidas, dos quais aproximadamente US$ 6 bilhões em bônus sukuk da Nakheel, dona de empreendimentos faraônicos como as ilhas artificiais Palm Islands, plantadas no golfo Pérsico, e uma quantia ainda não definida de outra subsidiária, a Limitless World.

Os valores são módicos perto das perdas dos bancos com a crise do subprime e toda a turbulência que se seguiu, reestimadas ao redor de US$ 3,4 trilhões pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em outubro.

Mas há vários motivos para se manter em alerta, apesar de alguns analistas já terem minimizado o problema, argumentando que os Emirados Árabes Unidos não apresentam ameaça de risco sistêmico e que esse é um clássico evento pós-choque. Algo parecido aconteceu em 1999, quando a estatal chinesa Guangdong International Trust and Investment Corp. quebrou em consequência da desalavancagem dos bancos que se seguiu à crise da Ásia de 1997 a 1998.

Um problema é o envolvimento de bancos europeus importantes. Os Emirados Árabes Unidos devem US$ 184 bilhões, dos quais US$ 88 bilhões de Dubai e US$ 90 bilhões de Abu Dhabi. Da carteira de crédito do HSBC, 1,7%, estão alocados junto a tomadores dos emirados; no Standard Chartered, o percentual é de 4%.

Não há bancos brasileiros expostos a tomadores da região, garantiu o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles. Ele recomendou, no entanto, que é preciso manter a cautela. O envolvimento de bancos internacionais sistemicamente importantes pode novamente atingir o país pelo canal do crédito externo. A instabilidade contribui para manter o aperto de liquidez nos bancos, que já estavam retraídos com a expectativa de novas exigências de reforço de capital.

O aperto agrava a situação da Grécia e países do Leste Europeu que vêm enfrentando dificuldades para refinanciar suas dívidas. Cerca de dois terços da dívida pública da Grécia é detida por estrangeiros e o país precisa levantar US$ 46 bilhões em novos créditos e rolar US$ 24 bilhões em 2010. Com US$ 81 bilhões de um total de US$ 216 bilhões em dívidas vencendo no próximo ano, a Rússia pode causar estrago maior.

Não se deve esquecer ainda que os Emirados Árabes Unidos têm investimentos relevantes no Brasil, em bolsa e no mercado imobiliário, feitos por meio do fundo soberano Abu Dhabi Investiment Authority (Adia). Em outubro, autoridades do EAU estiveram no Rio para inspecionar duas torres de edifício que estão construindo e preparar a visita ao país no próximo ano de nada menos que o xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum, vice-presidente dos EAU e governante de Dubai.