Título: A busca por regra financeira global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2009, Opinião, p. A17

Costuma-se dizer que, se a crise econômica é global, então, a solução precisa ser global: um sistema financeiro internacional que funcione melhor. E, como as instituições de Bretton Woods (IBW) - o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) - estão no centro do sistema financeiro internacional, precisam ser incluídas nessa solução.

Um sistema financeiro internacional aprimorado precisa seguir duas linhas principais de ação. A primeira é ampliar a abrangência da cooperação internacional. No momento, o Conselho de Estabilidade Financeira, cujos membros são também os países do G-20, busca iniciativas nesse campo.

Uma segunda linha de ação é fortalecer o poder das instituições internacionais de forma a almejar políticas econômicas mais consistentes, especialmente para economias sistemicamente importantes. Isso envolveria diretamente as instituições de Bretton Woods, mais notavelmente o FMI. O fortalecimento do FMI foi acertado depois da crise asiática nos anos 90, sendo que o encontro do G-7 em Colônia, em 1999, concedeu à instituição um mandato para fazer intensa supervisão, para assegurar mais transparência e encorajar ajustes prévios dos países com posições insustentáveis em seus balanços de pagamentos.

Nos últimos dez anos, no entanto, esse mandato não trouxe os resultados esperados. Algumas economias emergentes não deixaram suas moedas flutuarem livremente e, em vez disso, continuaram a atrelá-las a taxas de câmbio subvalorizadas, para promover suas exportações e elevar as reservas internacionais como forma de seguro em caso de crises.

Além disso, o FMI não foi bem-sucedido em convencer os países a seguir políticas macroeconômicas consistentes, com posições sustentáveis em conta corrente. Nem os Estados Unidos levaram totalmente em consideração o conselho da instituição. O acúmulo de grandes superávits, especialmente nas economias emergentes asiáticas e nos países exportadores de petróleo, permitiu que os EUA financiassem seu déficit em conta corrente. Também reduziu as taxas de juros de longo prazo nos EUA e tornou as condições monetárias mais expansionistas.

As economias emergentes, seguindo os países avançados, também deram menos importância à supervisão da instituição, especialmente porque o acúmulo de ativos externos as deixava menos dependentes do financiamento e dos conselhos do FMI. Por exemplo, o FMI não consegue completar um programa de supervisão com a China há três anos. Tudo isso ocorreu em meio a um pano de fundo de reclamações das economias de mercados emergentes de que sua representação relativamente baixa nos IBW negava legitimidade ao FMI.

Nos últimos meses, o FMI desempenhou um importante papel na resolução da crise, em particular, ao avaliar a gravidade da situação e fornecer financiamento externo aos países. Se quisermos, no entanto, criar um sistema monetário internacional no qual as crises sejam exceções, o Fundo Monetário Internacional precisará desempenhar um maior papel preventivo.

Parece haver uma negação em vários países de que os grandes desequilíbrios externos foram a causa da crise. Esses desequilíbrios, no fim das contas, refletiram o acúmulo de liquidez internacional excessiva por países como os EUA, decorrentes da poupança excessiva de países como a China. Isso desencadeou uma onda de consumo insustentável, assim como uma assunção de riscos, sem garantias, por parte dos consumidores e instituições financeiras, que alimentaram grandes distorções e bolhas nos mercados financeiros mundiais, que, por sua vez, foram precondições para a atual crise.

O risco, agora, é que as forças favoráveis a ajustes prévios e eficientes dos desequilíbrios enfraqueceram-se. De fato, poucos pedem hoje para o FMI desempenhar um papel mais forte, de forma a evitar o acúmulo de desequilíbrios externos excessivos e estimular políticas domésticas mais disciplinadas.

Um exemplo disso é a forma como a Decisão sobre Supervisão Bilateral das Políticas dos Membros, do FMI, voltada a identificar desalinhamentos nos fundamentos das taxas de câmbio, foi modificada para permitir maior cuidado na supervisão, especialmente sobre o câmbio. Isso pode parecer como uma escolha tática, mas duvido que resulte em uma mão mais forte para o FMI.

Os países emergentes e em desenvolvimento exigem uma voz mais forte no FMI, mas também parecem sugerir que desejariam ver a instituição menos intrusiva e menos apta a impor condições enquanto, simultaneamente, forneceria mais financiamentos e a preços mais baratos. Isso pode ser apropriado em tempos de crise sistêmica, mas não é sustentável em tempos normais. De fato, deveria pensar-se em uma estratégia de saída dos financiamentos baratos e incondicionais do FMI.

Em vez disso, a maioria dos cotistas do FMI parece favorável a tornar mais fáceis os financiamentos da instituição. Ampliar o papel dos Direitos Especiais de Saque (DES) ou suplementar o dólar com outra moeda de reserva mundial ajudaria a facilitar as necessidades financeiras tanto dos países com superávit como dos com déficit. Para os países com déficit, captar empréstimos de instituições internacionais fora dos mercados seria mais fácil, dando ao emissor de tal moeda alguma forma de função de instituição de crédito internacional de última instância. Para os países superavitários que querem acumular reservas, reduziria o risco cambial.

Mas, se o financiamento for tornar-se mais fácil, ficaria incerto como credores e devedores perceberiam o risco de desequilíbrios excessivos. O perigo verdadeiro é que o ajuste se daria ainda mais tarde, com os desequilíbrios acumulando-se por um período ainda mais longo. Sob tais circunstâncias, as crises poderiam ser ainda maiores e os ajustes, mais duros - como o ocorrido sob o período da moeda mundial anterior, o padrão-ouro.

Um sistema financeiro internacional viável exige um mecanismo para manter os desequilíbrios controlados. Um elemento essencial de tal mecanismo é dar ao FMI um papel de destaque em duas áreas: supervisão forte e efetiva para prevenir crises e concessão responsável de crédito a países em necessidade, mas com limites apropriados e condições.

Não precisamos reinventar a roda; apenas precisamos prestar atenção aos compromissos feitos há dez anos. Lidar com os desafios de curto prazo da crise atual não deve distrair-nos do objetivo de evitar futuros desmoronamentos.

Lorenzo Bini Smaghi é membro do Conselho Executivo do Banco Central Europeu (BCE).