Título: Dívida pública recua, mas analistas temem efeito da alta de gastos em 2010
Autor: Villaverde, João
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2009, Brasil, p. A3
O crescimento da dívida pública, que saltou ao menos seis pontos percentuais em relação ao PIB em apenas 12 meses, não é problema, segundo analistas ouvidos pelo Valor. A relação dívida/PIB deve diminuir, já em 2010, cerca de três pontos, neutralizando o efeito pós-crise pela metade. O problema, segundo eles, são os custos permanentes incorporados na dívida nos últimos meses. A política fiscal piorou e a recuperação da receita não será capaz de, sozinha, melhorar o quadro.
Após elevar-se a 53,5% do PIB no primeiro ano do governo Lula, a dívida líquida do setor público iniciou trajetória de reduções graduais ano a ano. Dos cerca de 48% registrados em 2004 e 2005, a relação fechou 2006 pouco abaixo de 46% . Em 2007, quando o PIB cresceu acima de 6%, o endividamento público já equivalia a 43,9% do PIB. A diminuição de dez pontos percentuais em quatro anos foi sustentada, em boa parte, pela realização de elevados superávits primários. Em 2008, a economia do governo foi recorde - 5% - contribuindo com a desvalorização cambial para baixar a dívida a 38,8% do PIB. Neste ano, o movimento se deu às avessas.
"O superávit primário caiu muito e o câmbio se valorizou rapidamente. Ao mesmo tempo, o PIB sofreu o baque da crise", afirma Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Santander. "É compreensível essa deterioração da relação dívida/PIB. Mesmo se fecharmos este ano com 46% do PIB, isso não preocupa."
Segundo Schwartsman, a rápida elevação pode ser seguida de uma rápida redução. Como o Brasil é credor externo, uma desvalorização do real é benéfica, uma vez que diminui a dívida em dólares. No ano passado, o dólar disparou de R$ 1,56, em agosto, para R$ 2,33, em dezembro. Por outro lado, o crescente ingresso de moeda estrangeira, ao longo deste ano, fez o real apreciar-se - alcançando a barreira de R$ 1,70. "A taxa de câmbio reflete, ente outras coisas, os preços das commodities. Quando os preços dos bens primários se elevam, o país ganha com isso, porque aumenta a entrada de divisas. Ou seja, a dívida é impactada negativamente nos bons momentos do país."
Para André Loés, economista-chefe do HSBC, a recuperação em 2010 se dará nas duas pontas. "Do lado de cima, o numerador será reforçado por uma arrecadação vigorosa e o denominador, o PIB, pode crescer acima de 5%", afirma Loés, para quem, "apenas por esses dois fatores" o volume de endividamento já será menor no ano que vem. Segundo Schwarstman, a grande preocupação não está na solvência de curto prazo, mas na "pobre política fiscal realizada desde o ano passado."
Para combater a crise mundial, o governo diminuiu a meta de superávit primário, aproveitando a queda na receita e a necessidade de contrabalançar o choque econômico por meio da ampliação dos gastos. O problema, advertem os analistas, está no direcionamento dos gastos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no primeiro semestre deste ano os gastos públicos equivaliam a 21% do PIB, enquanto os investimentos alcançavam 17,9%. "Se queremos crescimento elevado e sustentado do PIB, temos de aumentar os investimentos. Mas, para isso, alguém terá de ceder. E o governo não dá qualquer indicativa de que reduzirá gastos correntes", avalia Schwarstman.
Para Lóes, do HSBC, é "ingênuo" acreditar que o governo diminuirá gastos no curto prazo. "É óbvio que não gostamos de ver o governo perder o controle de gastos. Melhor ter gasto discricionário aumentando mais que gasto corrente, uma vez que já temos funcionalismo em tamanho decente e com salários elevados."
Segundo Fernando Montero, economista-chefe da corretora Convenção, a crítica ao expansionismo fiscal do setor público não ganha musculatura, uma vez que diante da euforia dos mercados internacionais com o país, devido à rápida saída da crise, os gastos crescentes são deixados em segundo plano. "Os mercados se interessam pelos diferenças relativas. O Brasil, relativamente ao resto do mundo, está ótimo, então os fluxos crescem, aumentando o déficit em conta corrente, ocupando o espaço onde deveria estar o investimento", afirma.
Para Montero, o Brasil superou a crise de forma não sustentável, isto é, baseada na ampliação do consumo desacompanhado de investimentos, que ampliariam a capacidade produtiva - e consequentemente o consumo futuro. Assim, é preciso incentivar a entrada de capital externo por meio do investimentos estrangeiro direto (IED). Segundo projeções do mercado, o déficit em conta corrente deve saltar de 1,2% do PIB neste ano para quase 3%, em 2010.
"A expansão fiscal continuará forte. Neste ano, Estados e municípios permaneceram tímidos, porque têm mãos atadas para gastar quando a arrecadação cai. No ano que vem, eles compensarão qualquer redução que o governo federal possa ter", diz Montero. O economista projeta que os gastos do setor público terão aumento real de 8% na margem no próximo ano - em 2009, o crescimento desses gastos deve ser de 6%.
A retomada da economia, que aponta para PIB de 5% em 2010, vem apoiada na recuperação da produção industrial e do forte consumo das famílias e do governo. Montero, no entanto, é pessimista quanto à longevidade do crescimento. "No segundo semestre de 2010, já teremos consumido o equivalente a todo o superávit primário. Teremos de elevar os juros, o que trará o câmbio para patamares ainda mais baixos, o que ampliará o endividamento externo. Parece que saímos melhor da crise do que entramos, mas não é verdade", afirma.
José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Fator, acredita que, com a recuperação da receita, há ainda "margem de manobra" para alterar a dinâmica de gastos do setor público. Para ele, a arrecadação deve ter queda real de 5% neste ano sobre 2008 , mas a retomada da economia deve reverter essa perda já no próximo ano. "Com a alta da receita, podemos aumentar gastos de custeio e, ao mesmo tempo, elevar os investimentos", avalia. Para Lima Gonçalves, um superávit primário da ordem de 2% do PIB já seria suficiente para manter a dívida líquida em trajetória de queda em relação ao PIB.
Segundo Schwarstman, do Santander, o país ingressa numa nova fase, com um nível mais rebaixado de superávit primário, diante de juros menores e crescimento mais alto. "Não voltaremos aos patamares registrados entre 2003 e 2008. Nem precisamos mais, aliás", avalia.