Título: Debênture de banco empaca no Congresso
Autor: Lucchesi , Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 16/11/2009, Finanças, p. C5

As entidades do mercado financeiro que propõem a criação de uma espécie de debênture para os bancos resolveram dar uma guinada em sua estratégia de aprovação da medida, em parte por causa da repercussão de matéria sobre o assunto publicada no Valor. Inicialmente a ideia era tentar criar um novo título chamado de Nota Bancária de Crédito (NCB) por meio de uma medida provisória. Agora, o assunto está nas mãos do Congresso em um caminho bem mais longo.

Desde 1964, apenas as empresas não financeiras podem emitir debêntures. Para mudar isso as entidades do mercado cogitaram a princípio criar um novo papel que não teria recolhimento de depósito compulsório sobre os depósitos a prazo e nem para o Fundo Garantidor de Crédito, como as debêntures. Por isso, esse título teria um efeito expansionista sobre a liquidez dos bancos. Mas ele não chamaria debênture. Não estaria burlando o artigo 35 da lei 4.595, de 1964, que proíbe explicitamente a emissão do papel pelos bancos.

No entanto, segundo o Valor apurou, essa estratégia não é considerada a primeira para a aprovação do novo papel, apesar de não estar descartada por completo. A mudança pode ter acontecido, em parte, por conta de reações contrárias à idéia.

Os que defendem o novo papel afirmam que ele aumentaria a disponibilidade de recursos de longo prazo para as instituições financeiras, que hoje têm de lidar com o caráter de curto prazo do Certificado de Depósito Bancário (CDB). Outros consideram a mudança desnecessária e dizem que os próprios CDBs podem ser de longo prazo se o investidor assim o quiser. Para eles, o alongamento de prazo dos títulos não acontece não por causa do tipo de título, mas sim por causa de falta de apetite do investidor.

Outro argumento contrário à criação do novo papel é que, com ele, os bancos passariam a concorrer com as empresas não financeiras perante os investidores. Esse, inclusive, teria sido a principal razão para a lei que proíbe o título aos bancos ter sido criada. Os bancos argumentam que isso não faz sentido, visto que hoje a maior parte das debêntures das empresas é, na verdade, crédito bancário. Se captassem mais no longo prazo poderiam emprestar no longo prazo com menor risco.

Há ainda questões legais a serem levadas em conta. Embora nem todos vejam o debate dessa forma, departamento jurídico de bancos considera que a criação de um novo título poderia ser questionado na Justiça por seus oponentes, que teriam o argumento de que o papel é na verdade uma debênture disfarçada.

Diante dessas constatações as entidades do mercado financeiro resolveram esperar pela aprovação do projeto de lei número 102, de 2007, de autoria do senador Arthur Virgílio (PSDB-AM). Ele vai substituir a lei 4.595, de 1964, que proíbe no artigo 35 a emissão de debêntures pelos bancos. E não incluiu nenhum tipo de proibição desse tipo.

Para o senador Antonio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA), relator do projeto de lei 102, no entanto, sua aprovação será demorada. Primeiro porque o projeto prevê inúmeras mudanças no sistema financeiro nacional, incluindo o polêmico tema da autonomia do Banco Central. Além disso, o projeto tem caráter de lei complementar à Constituição e precisa de maioria absoluta no Senado e na Câmara para poder ser aprovado. E isso ainda em meio a um ano eleitoral.

Para ACM Júnior, também professor de Finanças da UFBA, a emissão de debêntures pelos bancos faz todo o sentido. "Se os bancos podem captar no exterior por meio de eurobônus, por que não podem fazer isso aqui por meio de um papel semelhante?", argumenta o senador. Ele sugere, no entanto, que o debate não seja misturado com a autonomia do Banco Central. Ele defende um projeto que apenas exclua o artigo 35 da lei 4.595. A exclusão desse artigo por meio de medida provisória também não seria viável, pois criaria um clima de incerteza durante os 90 dias de vigor da MP que teria, de qualquer forma, que ser aprovada por maioria absoluta no Congresso.

ACM Júnior relata, no entanto, que não tem sido procurado por quaisquer entidades representantes dos bancos ou do mercado para tratar do assunto. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) também foi citado como um dos parlamentares que estariam se debruçando sobre a questão. Procurado, ele não quis comentar o assunto. A Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) e a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) também não quiseram se pronunciar.

Há dirigentes de bancos que defendem que o meio mais rápido e seguro para criar o novo título seria uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN). Essa resolução traria uma maior segurança ao sistema, já que teria de passar pelo Banco Central e pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil. E ao mesmo tempo seria mais rápida do que passar uma lei pelo Congresso Nacional. Esse mesmo executivo avalia que o debate sobre o projeto substitutivo à lei 4.595 abre espaço para que outras mudanças indesejadas sejam feitas em uma lei que ele considera fundamental para o setor financeiro.

As debêntures para os bancos começaram a ser discutidas no final de 2008, quando os investidores resgataram em massa seus investimentos de curto prazo nas instituições financeiras, mas os bancos já tinham ativos de longo prazo em suas carteiras. O risco de liquidez das instituições financeiras veio à tona.