Título: Bolhas desafiam gestão da política econômica
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Fonte: Valor Econômico, 08/12/2009, Opinião, p. A14

A forte alta da bolsa de valores brasileira e a enxurrada de investimentos estrangeiros preocupam um número crescente de analistas. O alerta mais recente veio do prêmio Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman. Em visita ao Brasil na semana passada, Krugman surpreendeu ao revelar que até ele investiu em ativos brasileiros e também ao aconselhar cuidado com o excesso de euforia com o país. Segundo Krugman, o atual fluxo de capital externo para o país é "uma bolha".

Com uma superficialidade que não se espera de um professor da Universidade de Princeton, Krugman colocou o Brasil no mesmo saco de vários países que receberam muito capital externo e depois enfrentaram crises gravíssimas. Entre eles citou o México, que quebrou em 1994; a Argentina que deu o calote em 2001; e países do Leste Europeu, muito procurados nos últimos anos e duramente atingidos pela crise internacional.

"O Brasil está indo bem, mas isso não quer dizer que vá se tornar uma superpotência econômica no ano que vem. Os mercados, porém, estão agindo como se isso fosse ocorrer", disse Krugman em palestra em São Paulo (Valor, 3/12). Ele ainda aconselhou o governo a dizer aos investidores: "Nós estamos melhores do que antes, mas não tão bem. Não nos amem demais".

A reação do governo foi imediata. Tanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, quanto o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmaram estar atentos aos riscos de uma bolha. "Não permitiremos bolhas na economia brasileira", disse Mantega.

Meirelles foi menos taxativo. O presidente do BC disse que o risco de bolha existe no quadro atual de alta liquidez global, bombeada pelos governos dos principais países para aliviar a crise internacional. Há cerca de dois meses, o economista Nouriel Roubini, considerado um dos primeiros a prever a crise do subprime, alertou que a principal fonte de dinheiro para a especulação está jorrando a partir dos Estados Unidos. A ampla oferta de recursos e juros perto de zero praticados pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estimulam o "carry trade" com dólar, isto é, a captação de recursos nos Estados Unidos para investimento em outros mercados.

Segundo o ex-presidente do Banco Central brasileiro, Armínio Fraga, "estamos tratando uma bolha com outra bolha".

Isso não preocupa os Estados Unidos. Na semana passada, o presidente do Fed, Ben Bernanke, disse que "a política monetária americana tem o objetivo de abordar questões financeiras e econômicas dos EUA. Os governos que estão preocupados com isso possuem suas próprias ferramentas para cuidas das bolhas em seus próprios países".

O Brasil não é o único alvo dos especuladores. Outros mercados emergentes têm sido procurados. A Bolsa de Xangai já subiu 82% neste ano, praticamente o mesmo que os 80% do Ibovespa. O índice MSCI de mercados emergentes, que consolida os resultados de 26 países, teve alta de 73%. O preço do ouro subiu perto de 40%.

O Brasil tem se destacado pelo sucesso na saída da crise internacional, atraindo recursos para investimentos e não apenas para especulação. Nos primeiros dez meses do ano, o Brasil recebeu US$ 40 bilhões para aplicações em ações e renda fixa. Os investimentos estrangeiros diretos totalizaram perto de US$ 20 bilhões.

Ciente das implicações desses números explosivos, o Brasil instituiu o IOF de 2% sobre os investimentos de curto prazo em ações e renda fixa a partir de 20 de outubro. A nova taxação, aprovada por Krugman, reduziu o ritmo de ingresso diário de dólares para renda fixa a um quarto do anterior; já o capital destinado a ações caiu pela metade.

Para o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, as bolhas são frequentes e inevitáveis no capitalismo moderno. Para evitar riscos, o país não pode financiar seu crescimento com recursos voláteis, nem depender crescentemente do dinheiro externo. O conselho é interessante mas parece pouco viável diante da expectativa de que o investimento externo será imprescindível para financiar o crescimento esperado para os próximos anos.