Título: O debate sobre o novo regime fiscal do pré-sal :: Ivan Tauil e Alexandre Chequer
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2009, Opinião, p. A14

O Estado deve retirar toda a renda possível da atividade petroleira sem afetar o interesse do investidor privado

Muitos países renegociaram seus contratos de partilha e de concessões petrolíferas durante esta década, visando incrementar a absorção de renda econômica proporcionada pela produção. Tal fato, porém, não surpreendeu a indústria internacional do petróleo, pois movimentos dessa natureza ocorreram no passado. Já se sabe que, quanto mais sobem os preços do produto, menores são os percentuais da renda econômica petroleira do estado produtor em regimes fiscais que combinam Impostos sobre Renda & Royalties.

Isso, contudo, não ocorreu no Brasil, a despeito da profunda modificação nas premissas econômicas e geológicas que pautaram a formulação da renda petroleira do estado brasileiro em 1997, cujo incremento constitui um dos temas centrais do atual debate sobre o petróleo existente no pré-sal.

A renda petroleira representa o valor verdadeiro do nosso recurso natural, ou seja, o valor presente líquido resultante da diferença entre as receitas de sua comercialização no mercado e os custos de capital e de produção, aí incluídos os custos de oportunidade reconhecidos pelos investidores neste setor. A reformulação de sua captura (por meio de um novo marco legal-fiscal) deve continuar a perseguir o conceito da neutralidade, segundo o qual o Estado deve retirar toda a renda possível da atividade petroleira sem afetar o interesse do investidor privado, que necessita auferir taxas de retorno aqui, que continuem superando seus custos de oportunidade, inclusive as opções de investimento em outras regiões do planeta.

A literatura internacional aponta com clareza que princípios devem ser perseguidos: 1) eficiência - proporcionar a máxima transferência da renda para atendimento otimizado dos objetivos politicamente definidos; ) neutralidade - combinada com a eficiência - de modo que o incremento não interfira nas decisões de investimento na atividade; 3) isonomia ou equidade, assim considerada a igual possibilidade e ônus tributário oferecidos e impostos aos investidores, sem discriminações; 4) rateio do risco - o que, na perspectiva fiscal, significa proporcionar retornos compatíveis aos riscos envolvidos (geológicos/preços futuros) e possibilidade de mudanças legais; 5) estabilidade - previsibilidade e confiabilidade permitem melhor planejamento sobre alocações de capital, aumentam a confiança e, por fim, reduzem os riscos pelos quais o investidor espera se remunerar/premiar; 6) clareza e simplicidade - a facilidade da cobrança incrementa, sempre, a arrecadação; a complexidade do sistema proporciona custos administrativos excessivos tanto ao pagador quanto ao arrecadador. Ao instituir sistema claro e simples, reduzem-se custos e acelera-se a captura da renda.

O atual regime fiscal - relativamente progressivo e composto de royalties, participação especial e tributos, igualmente assentado sobre regulação transparente e consistente -, garantiu a estabilidade e previsibilidade requeridas pelo conjunto da indústria, estando relacionado aos avanços exploratórios aqui verificados. Embora seja louvável o desejo de aumento na captura da renda, é forçoso reconhecer que, para tanto, do ponto de vista técnico, partilha ou concessão são indiferentes. Ambos podem aumentar ou reduzir a renda econômica dependendo da forma como os regimes são desenhados e da evolução de suas premissas no tempo. As flutuações de preços, incrementos tecnológicos e mudanças de cenário podem e têm proporcionado modificações não desejadas nas equações estruturais dos regimes fiscais internacionais, produzindo acréscimos ou decréscimos na renda econômica absorvida pelos Estados.

O contrato de partilha de produção, por si só, não provoca, necessariamente, o aumento da renda econômica, mas do controle político e estratégico da produção. Esse último também pode ser atingido no regime de concessão atual no Brasil via dispositivos na Lei do Petróleo. Se, por outro lado, a mudança de regime contratual se motiva igual ou preponderantemente pela (justa) intenção de aumentar a Renda Econômica Petroleira (que o modelo de 1997 não conseguiria capturar), então alternativas técnicas estarão à disposição dos senhores parlamentares. Inclusive para renegociar o Pacto Federativo, que afeta essa discussão e está assentado sobre complicada equação composta pelas regras que definiram a tributação do ICMS sobre operações com Petróleo, na Constituição Federal e na Lei Complementar 87/96, e as disposições legais e constitucionais que dispuseram sobre a participação dos Estados e Municípios na arrecadação de Royalties e da Participação Especial.

Uma das alternativas possíveis para essa discussão seria a introdução de um "gatilho de transição" - caracterizador de um regime híbrido) - que teria por função integrar certas características do atual sistema e da partilha de produção, modificando significativamente o nosso sistema de participação especial.

O objetivo dessa mudança seria garantir a entrega ao Estado, de todo (ou quase todo) excedente gerado quando, e se, ultrapassado determinado preço, volume ou outra premissa assumida inicialmente no contrato de concessão, e cuja transferência poderia se dar in natura (óleo ou gás) ou em pecúnia (dinheiro resultante direto de sua comercialização). Em tributação Internacional do Petróleo, no caso brasileiro, isso proporcionaria uma valiosa harmonização entre o presente (já implantado) e o futuro, concedendo ao investidor a exploração da atividade, se e enquanto a produção se desenvolve de acordo com premissas inicialmente assumidas pelo sistema, e entregando ao Estado o excesso (total ou parcial) gerado pela mitigação superveniente de riscos (inclusive o exploratório) ou pela superabundância advinda de elevações de preço ou níveis de produção. Essas são apenas algumas questões a serem pensadas. Agora, com a palavra os senhores congressistas.

Ivan Tauil é sócio do Tauil & Chequer Advogados, associado ao Thompson & Knight LLP

Alexandre Chequer é sócio do Tauil & Chequer Advogados, associado ao Thompson & Knight LLP