Título: Conferência do Clima: uma nova chance ao mercado de carbono
Autor: Ferreira Martins Vasconcelos , Breno
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2009, Legislação & Tributos, p. E2

Começou ontem em Copenhage a 15ª Conferência entre as Partes signatárias (COP 15) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima. Mais de 190 países, dentre eles o Brasil, buscam o consenso para salvar um acordo que substitua o Protocolo de Quioto, cujas previsões foram propositadamente limitadas até o ano de 2012, impelindo a comunidade internacional a rediscuti-lo após alguns anos de comprovação prática de seus efeitos.

Para entender o que está em jogo, imprescindível ter em mente o que significa o Protocolo de Quioto e qual sua importância no combate ao que parece ser o maior desafio do século XXI: o aquecimento global.

Grosso modo, foi por meio desse acordo internacional que, dando continuidade às discussões iniciadas na Conferência da Terra realizada em 1992 no Rio de Janeiro (Eco-92), países historicamente mais industrializados (listados no chamado Anexo I do Protocolo) assumiram o compromisso de reduzir, entre 2008 e 2012, as emissões antrópicas - causadas pelo homem - de gases de efeito estufa para nível inferior a 5% daquele verificado em 1990.

No entanto, como a redução, por si só, implicaria aos países industrializados um esforço econômico quase impraticável - e, para os olhos do mercado, pouco atrativo -, o Protocolo criou três importantes mecanismos de flexibilização para viabilizá-la: (i) a implementação conjunta, (ii) o comércio internacional de emissões e (iii) o mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). O que nos importa, neste breve texto, é este último, previsto no artigo 12 do Protocolo de Quioto.

Por meio do MDL, os países não incluídos no Anexo I - ou chamem-nos de "em desenvolvimento" -, podem implementar em seu território atividades voluntárias que reduzam a emissão ou remoção de gases de efeito estufa, podendo, ainda ao fim de um criterioso processo de monitoramento e certificação desse projeto, obter as RCEs (Reduções Certificadas de Emissão), comumente conhecidas como créditos de carbono.

As RCEs são emitidas exclusivamente pelo Conselho Executivo do MDL sediado em Bonn, Alemanha, que atua com o auxílio de uma Autoridade Nacional Designada no país em desenvolvimento, esta competente para aprovar o projeto de MDL em sua fase inicial. No Brasil, compete à Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Uma RCE emitida pelo Conselho Executivo equivale a uma tonelada de CO2 que deixou de ser emitida na atmosfera ou foi dela absorvida.

Esse ativo intangível - e aqui já adiantamos nossa posição quanto à natureza jurídica da RCE - pode ser negociado pelo titular do projeto de MDL, transferindo-o escrituralmente por meio de cessão onerosa das RCEs registradas em sua conta no Registro do MDL em Bonn para a conta daquele que pretende se utilizar desse "crédito" para cumprir parte das metas de redução de suas emissões.

Ou seja, para o mercado das RCEs propriamente ditas, todas as operações de cessão realizadas por determinado titular de projeto de MDL no Brasil serão concebidas exclusivamente no exterior.

O mercado de carbono movimenta vultosas quantias desde a sua concepção. Para se ter ideia de sua dimensão, somente o Brasil, o terceiro maior detentor de MDLs do mundo, deverá gerar cerca de 20 milhões de RCEs em 2009, segundo dados do Conselho Executivo do MDL. Tomando o valor médio de negociação de uma RCE em 13,50 euros, tratamos de um mercado que movimenta diretamente, pelo menos, R$ 650 milhões ao ano, somente no Brasil.

Isto sem falar no mercado secundário, não atrelado a Quioto, que surge de negociações intermediárias das RCEs ou das transações realizadas com as chamadas Reduções "Verificadas" de Emissões - RVEs. Como essas operações são significativamente diversas daquelas de Quioto, não nos firmaremos neste ponto.

Porém - e este é o dado destoante que justifica nosso inconformismo - , o Brasil que se pretende líder mundial em sustentabilidade, almeja reconhecimento internacional e está acometido pelo orgulho da decolagem econômica, prescinde de um quadro legal interno coerente e seguro, essencial para garantir aos empreendedores uma segurança mínima sobre a natureza jurídica das operações com RCEs e uma posição definitiva em relação à tributação dessas atividades.

As únicas manifestações oficiais proferidas até hoje são três ementas de Soluções de Consulta nº 59, de 10 de março de 2008, da Receita Federal - vinculando, entretanto, somente o consulente - e um Parecer da Comissão de Valores Mobiliários proferido no Processo Administrativo CVM nº RJ 2009/6346.

As soluções de consulta indicam uma tendência interpretativa do fisco federal em considerar as receitas advindas da cessão de RCEs como "decorrentes de exportação" e, portanto, imunes ao PIS e à Cofins. Estariam sujeitas, por sua vez, à CSLL e ao IRPJ ao percentual de presunção de 32% para fins de apuração da base de cálculo pela sistemática do lucro presumido. O Parecer da CVM resume-se a dispor que as RCEs não se enquadram no conceito de valores mobiliários, podendo, ainda segundo a comissão, ser adquiridas por fundos de investimento.

Isso é muito pouco e incerto diante da importância do tema e dos negócios gerados em torno de Quioto. Falta o Brasil produzir normas - ou ao menos dar andamento aos projetos de lei já propostos - que traduzam juridicamente, corrigindo ou estimulando, o que o sistema econômico já criou e recriou.

Sugestões aos nossos políticos: concentrem esforços nesse momento de evidência do assunto e, aproveitando as promessas feitas ao mundo de pioneirismo na redução de emissões, promovam a efetiva proteção do meio ambiente - valor elevado ao altiplano constitucional - reduzindo ou eliminando a tributação dessas operações. Lembrem-se que o direito tributário pode e deve sempre se valer da técnica do encorajamento para estimular atividades econômicas que estejam em consonância com os fins constitucionais.

Em tempo, esta é a dívida que temos com o planeta.

Breno Ferreira Martins Vasconcelos é mestre em direito tributário pela Universidade de Bolonha - Itália, mestrando em direito tributário pela PUC-SP e sócio da área tributária do escritório Falavigna, Mannrich, Senra e Vasconcelos Advogados

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