Título: O Rio está sendo roubado, diz Garotinho
Autor: Moura , Paola
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2009, Especial, p. A14

Nove anos depois de ter deixado o Palácio da Guanabara para disputar a Presidência da República, o ex-governador Anthony Garotinho pavimenta seu retorno com o impasse nas negociações sobre royalties do pré-sal. Seja qual for o desfecho da votação no Congresso, o discurso já está pronto: o atual governador e candidato à reeleição, Sérgio Cabral, não foi capaz de evitar perdas na arrecadação do Estado do Rio.

Para isso, joga novamente em dobradinha com sua mulher e sucessora no governo do Rio (2002-2006), Rosinha Garotinho. Atual prefeita de Campos de Goytacazes, ela gerencia cerca de R$ 40 milhões só em royalties do petróleo e capitaneia uma ação de inconstitucionalidade contra todas as mudanças de pagamentos nos royalties. Em seu blog, Garotinho vem insistentemente criticando a postura de Cabral. Na semana passada, seu texto afirmava que ela "só tem aumentado a revolta dos outros Estados contra o Rio".

Pesquisas recentes mostram o crescimento da candidatura Garotinho. Sem exercer um cargo público desde o fim do mandato de Rosinha no governo do Rio em 2006, ele já tem 23% das intenções de voto, contra 29% de Cabral, segundo pesquisa do Instituto GPP, de outubro. Isto mesmo depois de o casal Garotinho ter sido considerado inelegível pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio por três anos por ter prometido asfaltar uma rua em troca de apoio político. O julgamento aconteceu em 2007, mas, como o fato aconteceu em 2004, a justiça eleitoral manteve o casal na política.

Radialista experimentado, Garotinho está todos os dias, das 9h às 12h, falando ao vivo com população. Os temas preferidos: saúde e segurança. Prato cheio para bater nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) - um dos carros-chefes da administração Cabral - e violência no Estado.

Garotinho recebeu o Valor na sede da Rádio Manchete, no Rio. Do lado de fora, pelo menos 20 pessoas aguardavam há horas para falar com o político. Uma senhora diz que fez aniversário no domingo. Depois de olhar uma lista interminável de nomes, a secretária acha o de Dona Laura, que recebe um jogo de copos. A ouvinte aproveita para pedir um aparelho de surdez e que a dentadura machuca a língua. A secretária anota o recado e diz que vai ligar.

Afirma que seu apoio a Lula e Dilma é mais antigo e leal que o de Cabral e mostra gravações no YouTube onde o governador atual, ainda candidato, fala mal do governo Luiz Inácio Lula da Silva. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor é candidato a governador do Rio?

Anthony Garotinho: Sou pré-candidato. Pela lei eleitoral, candidato só posso ser após a convenção do partido em junho.

Valor: Mas algo poderia fazer o senhor mudar de ideia e concorrer a outro cargo?

Garotinho: É pouco provável que eu mude de ideia. Mas, em política, é necessário ter cautela.

Valor: O senhor diz que vai dar apoio à Dilma Roussef . Mas o senhor vai cobrar que ela e Lula subam no seu palanque?

Garotinho: Minha relação com a Dilma é antiga. Nós somos amigos. Estivemos juntos no PDT. É natural que ela suba no meu palanque.

Valor: E o presidente?

Garotinho: O presidente vai subir no meu palanque. Ele me deve isto. Em 1989 eu o apoiei no 2º turno contra o Collor e ele teve 75% dos votos do Rio. Em 1998, fui coordenador da campanha dele aqui e o Rio foi o único Estado em que ele venceu o Fernando Henrique. Em 2002, fui candidato e o bati no 1º turno no Estado, mas, no 2º, transferi 7 milhões de votos. Lula chegou a me sondar para ser ministro. E eu não aceitei.

Valor: Ministro de quê?

Garotinho: Foi só uma sondagem para saber se eu tinha interesse em fazer parte do ministério.

Valor: Cabral recebeu a promessa de Lula de que não haverá acordo do pré-sal que prejudique o Rio. Não é parte do acordo para sua reeleição?

Garotinho: Este apoio do Lula ao Cabral é no mínimo estranho. Que amizade é essa que dá com uma mão [referindo-se ao PAC] e que tira com a outra [referindo-se aos royalties]?

Valor: O senhor não concorda com a decisão de Cabral de esperar decisão de Lula sobre os royalties?

Garotinho: É uma postura infeliz. O Rio já está sendo prejudicado. Sou contra todas as mudanças do pré-sal, das licitadas e não licitadas. Os royalties são indenização aos Estados e municípios produtores. O Rio está sendo roubado. Acredito que qualquer mudança é inconstitucional e que o Supremo vá acatar a ação que vai ser impetrada pela Rosinha e os municípios do Norte [Fluminense] e impedir esta votação. O governador errou. Não soube negociar. Devia ter se manifestado desde o início. Agora eu confio no Supremo.

Valor: O senhor está num partido menor, o PR. Como espera governar?

Garotinho: Quando eu ganhei a eleição, o PMDB no Rio não era nada. Fiz o PMDB do Rio. Agora vou eleger pelo menos 14 deputados do PR. E teremos um senador, o deputado federal Pastor Manoel Ferreira, presidente da Assembleia de Deus. Em 2002, ele ficou logo atrás do [senador Marcelo] Crivella .

Valor: O seu apoio e associação às igrejas evangélicas não pode de alguma forma aumentar sua rejeição frente a outros eleitores?

Garotinho: Mas eu também tenho um bom diálogo com católicos. Visitei o bispo de Petrópolis na semana passada, D. Felipe Santoro e vou me encontrar com o bispo de Volta Redonda. D. João Messi, no dia 18. Sempre fui bem recebido por eles. Ninguém criticou o prefeito Eduardo Paes quando ele foi à Igreja de São Jorge agradecer sua eleição. A maioria dos deputados é católica. Eu não nasci evangélico, escolhi. Fiz uma opção que foi difícil. Eu era marxista. Sofri, foi doloroso. As pessoas associam a fé à ignorância. Não sou ignorante, sou culto. Defendo o Estado laico, não misturo fé com política.

Valor: Mas muitos de seus programas sociais eram distribuidos em igrejas.

Garotinho: Igrejas evangélicas e igrejas católicas.

Valor: O que o senhor acha dos programas do atual governo?

Garotinho: O governo Cabral é um fracasso. Ele acabou com os programas sociais deixados pela Rosinha, como o Jovem da Paz, que ajudava a tirar o jovem do crime; as UPAs, além de caríssima, não funcionam direito; a polícia não é mais treinada, atira primeiro para depois investigar e não é valorizada.

Valor: Mas no seu governo e no de Rosinha, os moradores do Rio também tiveram problemas com violência.

Garotinho: Ninguém imagina que vai acabar com a violência em quatro ou oito anos. No entanto, você tem que ter objetivo, estratégia. A polícia que não é treinada e não investiga, não tem estratégia de longo prazo.

Valor: O senhor não aprova a ocupação dos morros do Rio?

Garotinho: Sim. Fui eu que, em 2002, instalei a sede do Grupamento de Policiamento de Áreas Especiais (Gpae) no morro do Cavalão em Niterói. O morro está pacificado desde então. Ele (Cabral) só mudou o nome. Eu vou manter o projeto.