Título: Governo cede na partilha aos não produtores
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 02/12/2009, Especial, p. A16

De Lisboa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comandou - por telefone - nova negociação entre governadores do Nordeste e ministros em torno da redução da arrecadação da União com royalties e participação especial (PE) pela exploração dos campos de pré-sal já concedidos. Os recursos serão cedidos aos Estados e municípios não produtores. Além de mexer com a parte da União, o entendimento prevê também redução de 14 pontos percentuais dos royalties dos municípios produtores - o que gerou mais uma reação de deputados do Rio de Janeiro.

Os campos que já foram licitados são calculados em 28% de todo o pré-sal, a reserva petrolífera localizada em camada profunda e a cerca de 200 a 300 km do litoral. Esses campos serão explorados pelo modelo atual, de concessão, e não pelo regime de partilha de produção, que será adotado para a área do pré-sal ainda não licitada. Pelo contrato de concessão, Estados e municípios não produtores têm direito a uma parcela mínima de royalties e a nada da participação especial.

Com o acordo, o governo espera conseguir aprovar na Câmara dos Deputados o projeto de lei que institui o regime de partilha de produção como modelo de exploração das novas reservas petrolíferas. Os líderes governistas tentam manter sua base em plenário hoje para votar ao menos o texto básico do substitutivo do relator, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), líder da bancada pemedebista. A análise dos destaques (votações de emendas ao texto) ficaria para a próxima semana. O relator é menos otimista. Acha que, "no máximo", conseguirá ler seu parecer nesta quarta-feira.

O acordo sofreu alteração ao longo do dia. A primeira proposta foi fechada na segunda-feira, em Brasília, entre os governadores Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, e Cid Gomes (PSB), do Ceará, que consultavam colegas por telefone, com os ministros Dilma Rousseff (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Edison Lobão (Minas e Energia), além do secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin.

O primeiro acordo era restrito aos royalties. A parte da União cai de 30% para 22% - tudo destinado ao Fundo Social, que está sendo criado para financiar programas e ações de desenvolvimento social e regional. Os municípios produtores confrontantes (cujo litoral está defronte de campos de petróleo) perdem de 26,25% para 12,25% também dos royalties a serem pagos pelos concessionários.

Esse ponto do acordo enfrenta resistência de deputados do Rio, que já brigaram para manter intactos os recursos destinados ao Estado, que é o maior produtor de petróleo. "O que vale para o Estado vale para os municípios. Isso será questionado no Supremo Tribunal Federal (STF)", afirma o deputado Hugo Leal (PSC-RJ), coordenador da bancada fluminense. A alegação é que se trata de quebra de contrato em vigência.

Eduardo Campos, que divulgou ontem em Brasília os termos do acordo, contesta. Para ele, não há problema jurídico, porque é preservado o contrato entre governo e concessionárias. A alteração é restrita aos percentuais de divisão.

Pelo acordo, a parcela subtraída da União e dos municípios produtores vai para Estados e municípios não produtores, que recebem hoje apenas 8,75%. Esse será o percentual destinado aos municípios não produtores (8,75%). Os Estados não produtores passarão a receber 22%. A alíquota dos Estados produtores confrontantes não sofre alteração (26,25%) nem a dos municípios que sofrem com as operações de embarque e desembarque necessárias à exploração do petróleo no mar.

Essa proposta foi considerada insatisfatória por deputados do Nordeste, que, reunidos, exigiram uma parcela também da participação especial (PE), compensação financeira extraordinária devida nos casos de grande volume de produção ou alta rentabilidade. A PE, que hoje representa mais de 55% da arrecadação da União e de Estados e municípios produtores, deixa de existir no modelo de partilha, que está sendo instituído na exploração dos campos de pré-sal não licitados.

O relator também sempre defendeu a repartição da PE, além dos royalties. "A participação especial é crescente no pré-sal, enquanto os royalties são fixos. É inaceitável mexer só nos royalties", disse Alves.

A pressão do relator e da bancada nordestina resultou em mais negociação. O líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF), que encampou a reivindicação de Eduardo Campos, presidente do seu partido, foi chamado a nova reunião com o ministro Padilha e o relator. A União cedeu mais uma vez, mas o impasse frustrou a tentativa de lideranças governistas de realizar ontem a votação do projeto da partilha.

Campos evitou polemizar com o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que o acusou de estar fazendo "demagogia" nessa disputa por royalties. "Não foi um bom momento dele. É hora de fechar acordo e olhar para a frente", disse. Já Cid Gomes não perdeu a chance de alfinetar Cabral: "O governador se excedeu e criou um ambiente pesado", disse Cid, em entrevista ao Valor.

Apesar disso, o governador do Ceará acredita que foi encontrada a melhor solução em meio ao embate político. Segundo ele, o relator Henrique Alves apesar de ser favorável à partilha das áreas já concedidas, vinha resistindo em incluir a medida em seu relatório. O mesmo acontecia com Dilma, que, também não tomou partido sobre o tema.