Título: Fraudes em concursos
Autor: Nobre, Letícia; Edson Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 17/06/2010, Economia, p. 14

PF desbarata esquema de golpes em provas para a corporação, Receita Federal e OAB. Doze pessoas foram presas em São Paulo e no Rio

A investigação de uma possível infiltração de criminosos na corporação levou a Polícia Federal a desbaratar um dos maiores esquemas de fraudes de concurso público no país. A Operação Tormenta, desencadeada ontem, prendeu 12 pessoas nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro e cumpriu 34 mandados de busca e apreensão. Seis candidatos a agentes federais, que se formariam amanhã, foram desligados e indiciados por estelionato e receptação. Além de vender provas e gabaritos para seleções da PF, a quadrilha agiu também em provas da Receita Federal realizadas em 1994 e nos exames da segunda fase da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no início deste ano. A PF pode realizar novas ações nos próximos dias, inclusive em Brasília, pois há pelo menos outras duas seleções sob suspeita.

O trabalho começou em fevereiro, durante a investigação social dos candidatos a agentes, quando a delegacia da PF em Santos (SP) detectou indícios de que 53 candidatos tiveram acesso às provas. ¿Nós levantamos 53 aprovados que tinham envolvimento com as fraudes, mas só seis chegaram ao curso de formação¿, afirmou o diretor de Inteligência da corporação, Marcos David Salém. ¿Inicialmente, pensávamos que eram pessoas que queriam se infiltrar na Polícia Federal¿, explicou o delegado Vitor Hugo Rodrigues Alves, responsável pela investigação.

Mas o esquema era bem maior. Segundo o delegado, o grupo atuava há 16 anos, quando houve o conturbado concurso da Receita Federal, em que foram aprovadas 41 pessoas com ligação com a quadrilha. A prova foi questionada na Justiça Federal e os concorrentes tiveram ganho de causa. O resultado seria homologado na próxima semana e todos receberiam salários retroativos a 1994. ¿Isso daria um prejuízo de R$ 123 milhões aos cofres públicos¿, ressaltou Salém. O golpe só foi descoberto depois de a PF ter desenvolvido um novo mecanismo de investigação de concursos públicos.

Segundo o diretor de inteligência da PF, a então mulher, o filho e a nora do chefe do esquema de fraudes, além de amigos, estavam entre os aprovados no concurso da Receita. Todos também conseguiram passar na preparação na Escola Superior de Administração Fazendária (Esaf) por meio de irregularidades. ¿Eles não conseguiam acompanhar o nível técnico do curso¿, explicou Salém. Por isso, os concurseiros tiveram que recorrer à quadrilha novamente. Conforme o diretor da PF, parte do pagamento pelas fraudes seria feito com o ressarcimento dos R$ 123 milhões.

A quadrilha era comandada pelo proprietário de uma universidade no interior paulista, cujo nome a PF pretende manter em sigilo. Ele tinha acesso aos cadernos de questões pagando propina, e depois repassava o material aos concurseiros. O grupo tinha, segundo a PF, uma espécie de tabela de preços, sendo que as informações para os exames da OAB custavam em torno de R$ 50 mil e as para agentes da PF, US$ 50 mil. Para delegado da Polícia Federal, o preço chegava a US$ 100 mil e, para auditor da Receita, US$ 150 mil.

Diplomas Durante a Operação Tormenta, a PF prendeu um policial rodoviário federal, responsável pelo transporte das provas. O chefe da quadrilha também atuava com intermediários, que compravam os cadernos de questões e os revendiam a terceiros, muitas vezes aliciados. A investigação indicou que houve casos em que a quadrilha telefonou para candidatos, dando orientações de qual concurso deveriam prestar. ¿A organização também fornecia diplomas falsos a um custo de até R$ 30 mil¿, disse o delegado Alves. A maioria dos processos seletivos que estão sob suspeita, inclusive os da PF e da OAB, foram organizados pelo Cespe, que garantiu não ter envolvimento nas fraudes (leia detalhes na página 15).

Segundo a PF, os diplomas falsificados eram vendidos para candidatos que não tinham formação necessária para participar de processos seletivos. Além disso, a quadrilha providenciava documentos para que outras pessoas fizessem os exames no lugar do inscrito. O grupo também tinha professores à disposição, encarregados de responderem as questões das provas e transmitir as respostas por pontos eletrônicos, em cursos preparatórios ou em gabaritos.

Indiciamento Os seis candidatos afastados do concurso da PF e os 118 envolvidos em outros casos não foram presos, mas começaram a ser ouvidos ontem e serão indiciados por estelionato e receptação. Cada um terá que devolver aos cofres públicos o equivalente a R$ 14 mil que receberam como ajuda de custo ao longo dos quatro meses de curso de formação na Academia Nacional de Polícia (ANP). Os demais envolvidos responderão por formação de quadrilha, violação de sigilo funcional, estelionato, receptação e fasificação de documentos públicos.

"Levantamos 53 aprovados que tinham envolvimento com as fraudes, mas só seis chegaram ao curso de formação¿

Marcos David Salém, diretor de Inteligência da PF