Título: Lula pede ação e minicúpula tenta evitar fracasso
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 18/12/2009, Especial, p. A11
A manhã foi ensolarada, mas escureceu cedo na gelada Copenhague, apreensiva com o fracasso iminente da conferência do clima. Ao lado do presidente da França, Nicolas Sarkozy, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou o que já diziam os cartazes de organizações ambientalistas espalhados pela capital da Dinamarca, antes da CoP-15. Lula disse que, se os líderes não puderem articular um acordo mínimo, seriam no futuro lembrados como os "dirigentes que foram incompetentes para salvar o planeta enquanto era possível". À noite, Lula, Sarkozy e os primeiros-ministros da Alemanha, Angela Merkel, e do Reino Unido, Gordon Brown, se reuniriam com outras autoridades para tentar salvar Copenhague do fracasso total.
"Se não tivermos a competência de (...) tomar uma decisão, corremos o risco de sermos fotografados como os líderes que não souberam cuidar do planeta", disse Lula. No começo da tarde, o presidente discursou nesse mesmo tom na plenária da CoP-15. "O veredito da história não poupará aqueles que faltarem com sua responsabilidade neste momento."
Pela manhã, Lula discutiu um dos principais entraves a um acordo com o primeiro-ministro da China, Wen Jiabao. Este disse que Pequim aceita inspeção internacional apenas para os investimentos externos de combate ao aquecimento global. No caso dos investimentos próprios, a China concorda em, no máximo, apresentar relatórios à Organização das Nações Unidas (ONU).
Mas, na sede da conferência, o Bella Center, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, exigira "transparência" total em relação aos compromissos assumidos. Após anunciar que os EUA apoiariam um fundo de US$ 100 bilhões (sobre o qual não deu detalhes) para combate ao aquecimento global, Hillary completou dizendo que esse apoio era condicionado a transparência completa dos países na execução de suas metas de corte de emissões.
Os líderes, convidados por França e Brasil, se reuniriam após jantar com a rainha da Dinamarca. Os dois países, mais Alemanha e Reino Unido, vão tentar um compromisso mínimo em torno dos dois textos sobre a mesa, que não falam de metas globais, mas tratam da formatação do fundo para financiar ações de combate ao aquecimento e mantêm os princípios do protocolo de Kyoto. Qualquer coisa aquém disso é um retrocesso.
Segundo um influente negociador, "o Brasil não aceita de jeito nenhum abrir mão [de Kyoto]". Isso seria, em sua avaliação, entregar um valioso patrimônio aos países desenvolvidos. No entender dos negociadores brasileiros, houve um avanço importante da China com a apresentação de propostas de contenção de emissões. Lula e Sarkozy também viram a iniciativa como um passo à frente.
Uma fonte próxima à ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, disse que sua expectativa é que hoje sairia um acordo com um texto mais vago que os documentos em torno dos quais se afunilaram as discussões nos últimos dias.
A candidata a presidente apoiada por Lula avalia, segundo relatou a negociadores, como uma disputa geopolítica a queda de braço entre EUA e China. Compara a situação à de Reino Unido e Estados Unidos no início do século passado. Pensa que essa é a grande questão do impasse em Copenhague.
Segundo um integrante da etapa decisiva de negociações, os R$ 5 bilhões anunciados por Dilma, que no Brasil foram entendidos como a contribuição do país ao fundo climático, são de novos projetos de cooperação Sul-Sul, que ainda não foram implementados.
Os recursos podem ser usados como aporte para um eventual fundo internacional de combate ao aquecimento global. Ao que tudo indica, a ser administrado pelo Banco Mundial. O Brasil não os anunciou para ter um trunfo na manga para a negociação, já que deseja chegar a um acordo.
Lula reconheceu as dificuldades nas negociações, mas disse que talvez até o final da noite de ontem seria possível registrar uma outra crônica do que aquela anunciada pelas negociações ocorridas desde a abertura da CoP-15, na segunda-feira da semana passada. "Vamos construir o acordo que é possível construir dentro da diversidade democrática de cada país", disse.
O presidente brasileiro defendeu enfaticamente o apoio financeiro aos países pobres, em especial os africanos, para que possam implementar ações de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. "É preciso que tenhamos a capacidade de dar contribuições para que no século 21 os africanos tenham as oportunidades que não tiveram no século XX", disse.
Sarkozy, por sua vez, disse que o objetivo da reunião era fazer um "chapéu político" para um compromisso a ser firmado hoje. O presidente francês chegou a demonstrar irritação quando foi questionado se os líderes dos principais grupos atenderiam ao convite para a reunião de trabalho. Lula lembrou que o presidente dos EUA, Barack Obama, não estava presente, mas estava a secretária de Estado, Hillary Clinton.
"Estamos aqui para facilitar as coisas, dar à conferência uma velocidade de cruzeiro", disse Sarkozy. Para o presidente da França, no início da noite de ontem "o tempo das [reuniões] bilaterais passou e devemos avançar". Dilma, Marco Aurélio Garcia e Carlos Minc, que ficaram no hotel, estavam mais otimistas, ao final do longo dia de negociações. Especialmente Minc.