Título: O Brasil que desejamos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2009, Opinião, p. A10

No Brasil, há um entusiasmo cabível pelos resultados socioeconômicos alcançados em meio a uma das piores crises internacionais nos últimos 40 anos. Entretanto, esse júbilo popular pode ser ilusório e extremamente danoso à sociedade.

Aproximamo-nos de um ano eleitoral. Os partidos da situação e da oposição ao governo do presidente Lula estarão mergulhados em retóricas políticas.

Embora todos os candidatos à Presidência da República sejam da mesma vertente política (da esquerda), há divergências entre seus ideários políticos e seus programas estão vazios de conteúdo politicamente consequente: o de formular um planejamento estratégico para a construção de um Brasil competitivo em um mundo globalizado. A globalização não é uma ideologia. Ela é uma oportunidade de desenvolvimento sustentável e distributivo para as nações emergentes.

O atual ambiente empresarial brasileiro é excepcional para capturar os interesses dos investidores. Empresários de vários setores, exceto os da exportação, respiram mais aliviados com o fato de a política econômica do governo Lula não ter causado danos ao patrimônio das empresas e das famílias. Mas não se iludam. Essa certeza poderá ser um engodo para o próximo governo.

O Brasil não está preparado para sustentar uma taxa de crescimento igual ou superior a 5% ao ano. O que fazer diante dessa impossibilidade e obter vantagens competitivas duradouras? Esses são os desafios do próximo presidente da República.

Capacidade competitiva é um processo adaptativo à abertura econômica, a qual implica exportar e importar quantidades cada vez maiores. A soma desses dois setores representa a abertura comercial de um país. Quanto maior a abertura comercial, nível de poupança e renda por habitante, maiores são as possibilidades de uma nação emergente vir a ser considerada desenvolvida; então, vem à mente a Coreia do Sul. Esse país tem um nível de abertura comercial acima de 45% do PIB, mão de obra extremamente qualificada, renda média por habitante em torno de US$ 18 mil, poupança acima de 30% do PIB, 4% de média anual da taxa de crescimento da renda por habitante e desemprego em torno de 3,5% ao ano. A abertura comercial brasileira está em torno de 25% do PIB, mão de obra pouco qualificada, renda média por habitante em torno de US$ 5 mil, poupança média de 16% do PIB, 1,5% tem sido o crescimento médio da renda por habitante e taxa de desemprego acima de 8% ao ano. O Brasil tem sido um país pouco representativo entre a economia dos países emergentes, mas isso poderá ser alterado.

O nível da abertura comercial de um país é uma consequência da modernidade socioeconômica e da capacidade de absorção de investimentos e do crescimento da renda por habitante, que, por sua vez, exige estratégias complementares, entendendo-se que o progresso material e tecnológico resulta da justiça social: distribuição da renda, estabilidade institucional e judicial nas relações microeconômicas. Tornar o Brasil competitivo requer eliminar as carências por meio da inserção social, e não da dependência do Estado. Sem qualquer pretensão, seguem algumas ideias que podem ser úteis ao debate político do próximo ano.

1) Mão de obra qualificada e educação programática. O Brasil não dispõe de oferta de mão de obra qualificada para atender ao aumento da demanda doméstica, caso a produção cresça acima de 5% ao ano na próxima década. A sugestão é identificar as carências de mão de obra nos setores produtivos e estreitar a relação entre escolas e empresas públicas e privadas. O papel das escolas será o de implementar programas de educação específicos que aprimorem a competitividade empresarial e o atendimento ao cliente.

2) Poupança nacional. Há décadas, o nível da poupança nacional não ultrapassa 16% do PIB. É muito baixo. A poupança representa a oferta de recursos para os investidores. O aumento da poupança doméstica dependerá do crescimento da renda nacional e este da expansão da produção e dos investimentos públicos e privados.

3) Investimentos públicos e privados. Os investimentos, fonte propulsora do crescimento, há décadas estão estacionados em 17% do PIB. O País precisará contar com 25% de investimentos em relação ao PIB e com a poupança internacional. Para tanto, será vital aprimorar os mecanismos de abertura de capital das empresas brasileiras por meio da venda de ações no mercado local e nas bolsas internacionais. Os investimentos públicos precisarão ficar em 15% do total do orçamento público federal e ser direcionados à infraestrutura, modernização dos portos e aeroportos e fontes de energia não poluentes.

4) Redução e priorização dos gastos correntes. Será fundamental estabelecer limites e rever as prioridades nos gastos orçamentários referentes aos programas de assistência social e gastos correntes do governo federal. Em 1987, os gastos com a assistência social e benefícios de INSS representaram 15% em relação ao total dos gastos orçamentários não financeiros. Em 2008, eles saltaram para 50%. Nesse período, os investimentos públicos da União foram reduzidos de 17% para 5%. Dever-se-ia rever as prioridades e estabelecer um teto de 40% do orçamento para os gastos sociais e uma meta de recuperação dos investimentos em torno de 15% dos gastos do orçamento público federal.

5) Reformas microeconômicas. São essenciais ao aprimoramento institucional. Algumas reformas relevantes já foram realizadas, tais como: a lei de recuperação judicial e falência das empresas; lei de consignação em folha de pagamento; reforma do código de processo civil; término do monopólio do financiamento do seguro imobiliário, reduzindo o custo do seguro sobre as prestações; fim do monopólio do resseguro no Brasil; a criação do fundo garantidor para empréstimos às empresas de pequeno e médio portes. Está para ser aprovado no Congresso o cadastro positivo, que terá efeito benéfico no custo dos empréstimos bancários; e assim como, o Projeto de Lei 06/2009 do Cade, aumentando a eficiência na política de defesa da concorrência e reduzindo o "custo Brasil" ao criar ambiente comercial mais competitivo.

6) Reforma fiscal. Antes de se realizar a reforma fiscal, reduzindo a carga tributária, será importante unificar e simplificar os impostos e os tributos da União, dos Estados e dos municípios.

O Brasil precisará crescer, distribuindo os ganhos e reduzindo o "custo Brasil". Se assim for, o País deixará de ser rotulado de emergente e estará na órbita dos países desenvolvidos.