Título: Algumas respostas regulamentares ao "too big to fail" ::
Autor: Saddi , Jairo
Fonte: Valor Econômico, 23/12/2009, Opinião, p. A11

Ben S. Bernanke, presidente do Federal Reserve Board (Fed, banco central dos EUA) vem defendendo a ideia de que é necessário ao regulador ter poderes para "encolher bancos que apresentem risco substancial" ao mercado. Como seria esse encolhimento ainda não é totalmente claro, mas passa pela venda de ativos e/ou desinvestimento de certas atividades financeiras. A alternativa, como a que foi adotada na Crise de 1929, de segmentar a indústria financeira em bancos de investimento e bancos comerciais não lhe parece "construtiva", já que a "separação destas duas atividades não necessariamente levaria à estabilidade". Portanto, é possível vislumbrar poderes adicionais ao Fed para forçar a venda e a transferência de ativos e mesmo de itens "off balance" - todos os veículos específicos que o regulador não consegue enxergar nas demonstrações financeiras públicas. O processo aparentemente já começou com um pedido do Departamento do Tesouro de indicar quais são os bancos cujo colapso poderia chacoalhar a economia - ou o que estão chamando de instituições financeiras sistemicamente importantes.

Entre nós, é da maior importância a proposta legislativa que estava em audiência pública sobre crise bancária e também inclui uma nova lei de liquidações, em reforma da Lei nº 6.024/74. Isto porque, na primeira parte do texto, há poderes específicos dados ao Banco Central para determinar, segundo a Exposição de Motivos do projeto, "limites operacionais compatíveis com a exposição ao risco e a elaboração, pelos gestores da entidade supervisionada, de plano de ajuste a ser submetido à aprovação desta autarquia, indicando os meios para a correção de um problema identificado".

Os princípios estabelecidos pelo Banco Central nestes tempos pós-crise são conservadores mas, ao mesmo tempo, abrangentes. Primeiro, está definido que o Banco Central deve regular e supervisionar todos os segmentos do mercado financeiro. Desde 1998, já há o requerimento de controles internos e de gerenciamento de riscos e limites de exposição por cliente, assim como a exigência de provisionamento de perdas e prejuízos esperados. Medidas claramente prudenciais, elas afetam a relação entre o capital requerido e os ativos ponderados pelo risco (que apesar de ser, hoje, da ordem de 11%, recente levantamento mostrou que a média no Brasil está em torno de 18%). Enquanto é saudável um Banco Central conservador, pois a cautela é inerente à atividade do regulador, nosso caso talvez penda demais para o outro lado. Por exemplo, todo o risco de liquidez, assim como o gerenciamento operacional de riscos de mercado e de crédito é fortemente influenciado pelo BC, seja por meio de requerimentos mínimos, seja por exigibilidades compulsórias. Como resultado, temos um sistema financeiro sólido, mas pouco competitivo e pouco largo - apesar do recente desenvolvimento na oferta de crédito, a relação crédito-PIB ainda é uma das mais baixas entre países de igual renda. É certo que não é questão fácil nem segura, uma vez que reduzir certas provisões regulamentares não garante o sucesso desejado (por exemplo, se os multiplicadores para requerimentos de capital relativos ao risco de mercado forem relaxados, isto não significa necessariamente imediato aumento no crédito, já que há inúmeros fatores exógenos que participam e concorrem com essa variável).

Talvez a melhor solução seja mesmo a transparência e a luz do sol. No caso dos bancos centrais, no mundo, há notável consenso sobre quais são os avanços necessários a serem perseguidos (por exemplo, a exigência da manutenção dos ativos cedidos na carteira do cedente, quando há retenção substancial de riscos ou, ainda, a obrigatoriedade de registro dos derivativos de balcão). Enquanto deve se dar a maior e mais ampla cobertura dos riscos de liquidez e de mercado, é necessário pensar em medidas de ampliação e aprofundamento do crédito no Brasil, um país que precisa de mais instrumentos (e inovações) financeiros para se desenvolver.

Quantos desses temas afetam a solvência das instituições? Voltemos à minuta que estava em audiência pública e o que deveria ser feito no caso de bancos grandes demais para quebrar. Lá, há a indicação de medidas restritivas patrimoniais e operacionais (por exemplo, aporte de recursos para fazer face aos riscos a que a instituição esteja exposta, fechamento ou proibição de abertura de dependências, suspensão da distribuição de resultados etc.) e outras de cunho intervencionista.

Nos EUA, a proposta do regulador de "encolher" instituições problemáticas é sedutora e talvez inevitável, mas, na escolha conservadora, há custos implícitos e riscos de cercear a inovação financeira e criar incentivos indesejáveis à conduta bancária. Como lembrou um amigo, para alguém que não tem carro, não há o risco de ter o veículo furtado, mas também não há os benefícios do conforto automotivo.

Na vida, escolhas sempre têm custos.

Jairo Saddi Pós-doutor pela Universidade de Oxford. Doutor em Direito Econômico (USP). Professor e coordenador geral do Curso de Direito do Insper (ex-Ibmec São Paulo). Árbitro da Câmara de Arbitragem da Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais (Anbima). Redator-chefe da Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais (Ed. RT)