Título: Com crise, déficit vira superávit e vice-versa
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2009, Brasil, p. A4

A crise mudou os resultados da balança comercial do Brasil com seus principais parceiros. A recuperação de preços das commodities, ao lado da redução de exportação de manufaturados e da queda nos preços do petróleo transformaram drasticamente, em curto período de tempo, os saldos comerciais. Houve troca de sinais nos resultados de destinos como Estados Unidos, China e países africanos.

A queda de preços do petróleo e a redução da demanda por manufaturados, importantes itens vendidos pelo Brasil aos americanos, fizeram a balança com os Estados Unidos ficar negativa em 2009, fato inédito desde 2000. O saldo positivo em 2008, de US$ 1,8 bilhão, transformou-se em déficit de US$ 4,1 bilhões no acumulado de janeiro a novembro deste ano.

Em contrapartida, a forte exportação de commodities e a recuperação de preços dos produtos básicos na ponta, principalmente durante o segundo semestre, inverteu também o sinal da balança com a China. Depois de dois anos seguidos com déficit, a balança do Brasil com os chineses fechará 2009 com saldo positivo. No ano passado, o déficit foi de US$ 3,64 bilhões. No acumulado de janeiro a novembro deste ano, o superávit chega a US$ 4,38 bilhões - uma reversão de sinal superior a US$ 8 bilhões.

O resultado é atribuído ao forte crescimento interno da China, que comprou muita soja e minério de ferro brasileiros. O efeito China influenciou a balança com a Ásia, levando em conta o bloco sem os países do Oriente Médio. Com déficit na balança com o bloco asiático desde 2006, o Brasil acumula em 2009, até novembro, superávit de US$ 3,14 bilhões. Dentro da Ásia, também destacou-se a Índia, com grande demanda pelo açúcar brasileiro.

Sob o efeito da grande variação nos preços do petróleo, o resultado das trocas com o continente africano também sofreu inversão de sinal. De janeiro a novembro de 2009, o superávit com a África, excluindo países do Oriente Médio, acumula US$ 206 milhões. O resultado é relativamente modesto em relação à balança total brasileira, mas trata-se de um saldo positivo após déficits sucessivos desde 1996. No ano passado, o saldo negativo foi de US$ 5,59 bilhões. Ou seja, há até novembro uma reversão total acima de US$ 5,7 bilhões.

Para Júlio Callegari, economista do J. P. Morgan, a grande explicação está na importação brasileira de petróleo de países como Nigéria e Argélia. "Houve mais um efeito de preço que de volume." Dados do Ministério do Desenvolvimento mostram que de janeiro a outubro de 2009 o Brasil importou 7,1% a menos em volume de petróleo. Em valores, porém, a queda dos desembarques de petróleo foi de 51,5%. A cotação média do petróleo negociado na bolsa de Nova York caiu de US$ 99,75 em 2008 para US$ 61,46 neste ano, com atualização até o dia 15. Também sob influência do preço do óleo, houve elevação do resultado das trocas com o Oriente Médio, cujo saldo positivo saltou de US$ 1,82 bilhão em 2008 para US$ 4,09 bilhões no acumulado até novembro de 2009.

O que também ajudou o resultado com os países africanos foi a exportação brasileira. Houve queda, mas não tão grande quanto as exportações. Fábio Martins Faria, secretário-adjunto de Comércio Exterior, lembra que a África é, ao lado da Ásia, um dos locais nos quais os exportadores brasileiros apostaram muito na estratégia de diversificação de destinos.

Em relação aos Estados Unidos, diz Faria, o valor das exportações brasileiras caiu puxado pela queda no preço do petróleo e pela redução da demanda americana por manufaturados. Ele lembra que as exportações brasileiras aos EUA caíram 44,5% de janeiro a novembro de 2009, na comparação com o mesmo período do ano passado. As importações, porém, caíram 22,4%, menos que a média geral de 27,6%. "O mercado doméstico foi menos afetado pela crise e continuamos importando produtos americanos", diz. O resultado foi o primeiro déficit comercial.

Fernando Ribeiro, da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), considera remota a possibilidade de grande mudança em relação à balança dos EUA no próximo ano. Ele lembra que já havia, antes da crise, uma tendência de redução de saldo comercial com os americanos. O superávit com os Estados Unidos vinha se deteriorando nos últimos três anos. O saldo caiu de US$ 9,87 bilhões em 2006 para US$ 1,8 bilhão no ano passado. A crise agravou a situação.

"Acho difícil mudar o quadro, porque há a tendência de continuidade do câmbio valorizado e a recuperação da economia americana deve ser lenta", diz Ribeiro. O Brasil ainda deverá sofrer forte concorrência de outros países na exportação de manufaturados aos Estados Unidos.

Callegari, do J.P. Morgan, tem análise semelhante. O mercado interno dos Estados Unidos deve ter reação lenta e, com a depreciação do dólar, houve também aumento de competitividade das próprias indústrias americanas, diminuindo a demanda pela importação.

A queda nos embarques de manufaturados também provocou a deterioração da balança com os países da América Latina. Houve queda significativa nos superávits resultantes das trocas com os países do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) (ver quadro). Esses países tiveram suas economias muito afetadas, explica Faria, e são importantes destinos de produtos industrializados brasileiros. "Em 2008, 77% do total vendido para a América Latina foi de manufaturados."

Com a União Europeia, bloco para o qual o Brasil também exporta manufaturados, as exportações fortes de commodities ajudaram a manter o saldo positivo que segue desde 2000, mas houve significativa deterioração do resultado, passando de US$ 10,22 bilhões no ano passado para US$ 4,79 bilhões no acumulado até novembro.

Para José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), lembra que a pauta de exportação tornou-se mais dependente dos produtos básicos em 2009. "O que preocupa é que nós não conseguimos controlar preço nem volume de commodities", diz. "A pauta brasileira de exportação, porém, ainda é bastante diversificada em termos de produtos e destinos, o que é positivo." A expectativa dele é que as exportações cresçam em valores no próximo ano cerca de 11% ou 12%. "Para isso, não é preciso fazer nada. Basta que as cotações das commodities mantenham em 2010 os preços de hoje. O problema é se tivermos alguma surpresa que provoque retração nas cotações."