Título: Bancos tentam evitar alta do calote
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Fonte: Valor Econômico, 07/01/2010, Finanças, p. C1

Depois da compra por impulso vem o susto com a fatura. Os três primeiros meses do ano são marcados pelo aumento generalizado da inadimplência, que sazonalmente chega a subir até 10%, após o acúmulo dos gastos de Natal com as despesas de início de ano. Em 2010, no entanto, os bancos se armam para evitar que a história se repita. Com os índices de atrasos ainda em patamares elevados, por conta da crise, a preocupação é que novas altas, mesmo que sazonais, possam comprometer o resultado das áreas de empréstimos.

A saída foi ampliar o leque de produtos que deem fôlego aos clientes enforcados, como o parcelamento da dívida no cheque especial e o reforço dos departamentos de cobrança, que intensificaram os contatos já nos primeiros dias de atraso. As instituições voltaram a oferecer também a última parcela do financiamento grátis quando todos os pagamentos são feitos em dia.

Com esse esforço, os grandes bancos não esperam aumentos muito acelerados dos calotes no início do ano, mas o indicador deve permanecer acima dos níveis de anos anteriores no primeiro trimestre em algumas modalidades. Em novembro, a média da inadimplência estava em 8,1%, acima dos 7,8% do mesmo mês de 2008.

"Em janeiro, a tendência é manter os mesmos índices vistos no fim do ano. Talvez haja uma discreta elevação, mas que não decorre de um problema maior e que se normaliza ao longo do mês ou do mês seguinte", afirma Ricardo Flores, vice-presidente de crédito do Banco do Brasil. A instituição comemora uma inadimplência abaixo da média de mercado, após permanecer por muito tempo na berlinda pela forma agressiva que concedeu crédito durante o pior momento da crise.

Ajuda também o fato de a concessão de crédito em 2009 ter sido feita de forma mais criteriosa do que em anos anteriores, dado o medo dos efeitos da crise. "A safra atual é muito boa, vai haver aumento de inadimplência, isso é sazonal, mas talvez possamos ver aumentos menores do que no ano passado", diz Fernando Manfio, sócio da Witrisk, empresa especializada em gestão de risco.

A maior seletividade na liberação adotada em 2009, aliada à expectativa de crescimento econômico, deve contribuir para a tendência de queda da inadimplência ao longo de todo ano. "A expectativa é de que inadimplência fique bem menor do que no ano passado", diz o superintender do Santander, Eduardo Francisco de Castro.

Para Silvio de Carvalho, diretor do Itaú Unibanco, a tendência ao longo de 2010 é mesmo de queda dos calotes, com uma pequena elevação no primeiro trimestre fruto da sazonalidade do período. Nilton Pelegrino, diretor do Bradesco, ressalta que houve um aumento do consumo no fim do ano, mas "nada exagerado" que possa gerar inadimplência.

Historicamente, a elevação dos atrasos no início do ano pode chegar a 10%, com o acúmulo de impostos, gastos escolares e as temidas faturas das compras de fim de ano. Em um período ainda de rescaldo da crise, que elevou os atrasos ao nível recorde de 8,6% em maio e junho do ano passado, os bancos não querem deixar que suas carteiras saiam mais uma vez do controle e já criaram saídas para tentar amenizar o impacto desse período.

O Santander, por exemplo, pretende intensificar a oferta de sua recém-criada linha de parcelamento do cheque especial. Para evitar que o limite seja usado de forma indiscriminada, o banco oferece o refinanciamento da dívida em até 36 vezes pela metade dos juros da modalidade. "Fazemos de forma pró-ativa. Vemos que cliente está usando muito o cheque especial e ligamos para oferecer o parcelamento", diz Castro.

O Banco do Brasil também oferece parcelamento em 36 meses para clientes com atrasos e intensificou o contato com o público. "Nosso call center tem metas para atender clientes em dificuldades", diz Ricardo Flores.

O cheque especial é a salvação para muitas pessoas quando o orçamento fica apertado. Entre janeiro e março de 2009, a elevação do uso do limite foi de 12,4% e, no ano anterior, chegou a 16,4%. O superintendente do Santander estima que nesse primeiro trimestre a demanda deva crescer pelo menos 10% em relação aos últimos três meses, com pico de utilização no mês de março.

O ritmo deve ser o mesmo, mas neste ano há uma diferença: a modalidade emergencial deve terminar o ano com o pico histórico de atrasos. Até novembro, último dado disponível no Banco Central, 12% das pessoas usavam seus limites nos bancos há mais de 90 dias e outros 4% dos clientes estavam pendurados no cheque há pelo menos 15 dias. No fim de 2008, os indicadores estavam mais baixos: 10,6% e 4,6%, respectivamente.

A solução, há muito discutida, para aplacar os atrasos é a aprovação do cadastro positivo. Renato Oliva, presidente da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), vê a perspectiva para este ano com otimismo pelo próprio crescimento econômico, mas também pela possibilidade de que finalmente a lei seja aprovada. "Há um bom projeto no Senado que poderá reduzir, no primeiro momento, a inadimplência da pessoa física de 8% para 6%", diz.

Ele afirma, no entanto, que também tramita um projeto sobre o tema na Câmara que, segundo ele, se aprovado, "vai enterrar de vez o birô de crédito", pois, entre outras coisas, elevaria os custos envolvidos no processo de comunicação entre o birôs de crédito e os consumidores.

Ao mesmo tempo, os bancos nunca recuperaram tanto crédito em atraso. As áreas de cobrança foram turbinadas desde o início do ano passado por conta da explosão de inadimplência vista logo após o agravamento da crise e essa estrutura tem contribuído para conter os calotes. "O último trimestre é bom tanto no crescimento das carteiras quanto no pagamento de dívidas. A quitação de débitos em atrasos chega a crescer entre 25% e 30% aqui no Banco do Brasil", diz Flores.

Esse comportamento está associado também ao maior volume de recursos disponíveis na economia, com a entrada do décimo-terceiro salário e da restituição do Imposto de Renda. Além disso, há a criação de empregos temporários no comércio e na indústria.

"Percebemos também que as pessoas que têm pendência bancária em decorrência de problemas momentâneos, como perda de renda num passado recente, procuram se restabelecer nesse trimestre para limpar nome nos cadastros de proteção ao crédito", completa Flores. Os pagamentos crescem e a inadimplência recua entre 5% e 7% no BB. "Se olharmos o sistema, percebemos os mesmos movimentos", afirma.