Título: Passivo externo tem mudança estrutural
Autor: Izaguirre , Mônica
Fonte: Valor Econômico, 04/01/2010, Finanças, p. C3

O Brasil conseguiu, ao longo dos últimos 14 anos, uma expressiva mudança na composição do seu passivo externo. A parcela relativa a empréstimos e financiamentos - e, portanto, a endividamento- caiu drasticamente com a elevação de investimentos diretos e indiretos em participações societárias. Somados investimentos diretos e a compra de ações via mercado de capitais, o dinheiro investido por estrangeiros em empresas sediadas no país já respondia, em novembro deste ano, por 72% do passivo total, naquele momento de US$ 1,026 trilhão.

Em dezembro de 1995, essa soma representava apenas 29% do estoque de obrigações externas do país, então de US$ 224,8 bilhões aproximadamente. Em quase uma década e meia, portanto, a participação dos investimentos em empresas no passivo internacional brasileiro mais do que dobrou. Diferente de antigamente, o país tem hoje muito mais sócios do que credores externos.

Os números são do Departamento Econômico do Banco Central (Depec) e incluem empréstimos do tipo intercompanhia (de matriz no exterior para filial no país), internacionalmente classificados como investimento direto e não como dívida. Mesmo que eles não fossem assim considerados, o fenômeno se manteria, pois a participação dos investimentos no total do passivo externo seria de 26% em dezembro de 1995 e de 64% em novembro de 2009.

Incluindo os créditos intercompanhia, o estoque de investimentos estrangeiros diretos (IED) subiu de US$ 48,72 bilhões para US$ 393,37 bilhões, saindo de 22% para 38% do total do passivo. Sem os intercompanhias, o saldo de IED passou de US$ 42,53 bilhões para US$ 315,21 bilhões, elevando sua participação de 19% para 31%.

O salto mais extraordinário, no entanto, foi o de investimentos em ações via mercado de capitais. O passivo externo daí decorrente pulou de US$ 16,7 bilhões para nada menos que US$ 349,23 bilhões. E em termos de participação relativa, praticamente se multiplicou por cinco, subindo de 7% para 34%, sempre na comparação dos saldos de dezembro de 1995 e de novembro de 2009.

Contribuiu para esse crescimento a possibilidade de que ações de empresas sediadas no Brasil sejam negociadas também no mercado norte-americano, via American Depositary Receipts (ADR). O estoque de investimentos em ações feitos a partir do mercado de capitais externo, que era traço na estatística de 1995, representava US$ 173,56 bilhões ou 16,9% do passivo externo apurado pelo Depec em relação a novembro de 2009.

O saldo dos investimentos estrangeiros em ações negociadas no país, por sua vez, saiu de US$ 16,69 bilhões para US$ 175,66 bilhões, o que fez subir de 7% para para 17,1% a sua participação no total do passivo externo.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, avalia que a nova estrutura do passivo internacional brasileiro é fruto do bem sucedido esforço feito pelo país, ao longo dos últimos anos, para estabilizar sua economia. Na sua opinião, a melhora dos indicadores macroeconômicos (inflação sob controle, reservas cambiais altas, superávits fiscais primários e redução da dívida pública em relação ao tamanho da economia, entre outros) foi fundamental para que o país ganhasse mais confiança dos investidores internacionais. A maior crença na perspectiva de estabilidade da economia brasileira fez com que subisse não só o fluxo de novos investimentos, mas também o tempo de permanência dos investidores no país, destaca o presidente do BC.

Certo de que a estabilidade macroeconômica conquistada "veio para ficar", Meirelles acredita que o fluxo de investimentos estrangeiros em empresas continuará expressivo nos próximos anos. Ele explica que, dado o tamanho de seu mercado interno e de sua posição no comércio internacional, o Brasil é hoje um mercado altamente estratégico para as empresas transnacionais aqui instaladas. "O Brasil tornou-se tão estratégico que as multinacionais não podem sequer pensar em sair daqui", diz Meirelles, lembrando o exemplo da General Motors. Quando a GM americana foi fortemente atingida pela última crise financeira mundial, o grupo pensou em vender ativos em outros países do mundo, como Alemanha, mas jamais no Brasil. A importância do Brasil como mercado consumidor, associada à estabilidade econômica, retém investimentos já feitos e atrai novos, observa.

O presidente do BC cita, ainda, um terceiro fator de atração de investimentos. Trata-se do aprimoramento regulatório do mercado de capitais brasileiro nos últimos anos. O aumento do poder de fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a introdução de normas de transparência e de proteção ao acionista minoritário tornaram o mercado mais seguro sob o ponto de vista dos estrangeiros, destaca Meirelles.

Meirelles observa ainda que, graças à combinação desses fatores macro e microeconômicos, algumas empresas multicionais já estão inclusive cortando caminho para aumentar investimentos no Brasil, fazendo emissões primárias de ações no mercado doméstico de capitais. Um exemplo é a operação feita esse ano pelo Banco Santander, que atraiu investidores externos e contribui para que o fluxo de investimentos estrangeiros em ações alcançasse US$ 33,62 bilhões de janeiro a novembro.