Título: Empresas contratam de olho em 2010
Autor: Villaverde , João
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2009, Especial, p. A14

A impressionante recuperação do emprego no pós-crise alcançou, em novembro, o resultado que melhor simboliza a retomada da atividade econômica. O saldo positivo de 246,6 mil vagas criadas no mês passado, segundo dados divulgados ontem pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, indica que diferentes setores da economia estão se preparando para um início de 2010 muito forte, implantando ritmo que, ao longo do próximo ano, pode corresponder a um crescimento superior a 5% do Produto Interno Bruto (PIB).

A recuperação do emprego foi puxada por dados positivos na indústria, comércio e serviços, mas, afirmam os analistas consultados pelo Valor, como os últimos dois setores já vinham com resultados expressivos ao longo do ano, foi a indústria que promoveu a maior surpresa nos dados consolidados. Em novembro, mês normalmente carregado por sazonalidade negativa nas fábricas, isto é, com mais demissões que contratações, o agregado do setor industrial foi positivo em 40,9 mil postos - no mesmo período em 2007, quando o país crescia a taxas de 6% ao ano, o resultado foi negativo (-2,5 mil).

"A sazonalidade foi para o espaço neste ano. Indústria contratando em novembro e agricultura caindo pouco não são fatores que poderiam ser antecipados", afirma Fabio Silveira, economista da RC Consultores, para quem os modelos históricos - baseados na análise de anos anteriores - não podem captar "retomadas econômicas tão bruscas como essa que estamos passando".

Mesmo no campo os indicadores do mês passado foram alentadores. Enquanto que, historicamente, o mês de novembro concentra saldos negativos da ordem de 50 mil postos, em média, a marca do mês passado foi negativa em apenas 16,6 mil vagas. De acordo com Silveira, o corte nas linhas de crédito foi crucial para determinar o tombo na rentabilidade do setor agrícola, "que teve um ano ruim", segundo ele. Projeções da RC Consultores apontam para rentabilidade total de R$ 164,8 bilhões das lavouras, queda de quase R$ 10 bilhões frente ao ano passado.

Para Fabio Romão, da LCA Consultores, os resultados alcançados em novembro "rompem com qualquer sazonalidade pelo segundo ano consecutivo". No mesmo período do ano passado, o resultado geral foi negativo em quase 41 mil postos de trabalho, com fechamento de 81,9 mil vagas na indústria. Os dados de 2008, no entanto, não podem ser explicados pela sazonalidade comum ao período, uma vez que, naquele momento, os efeitos da crise mundial já se refletiam claramente sobre a economia - especialmente na indústria, onde mesmo setores que não respondem às vendas de fim de ano, como mecânica e metalurgia, apresentaram resultados expressivos - respectivamente, 5,6 mil e 6,7 mil vagas.

A recomposição de mão de obra tem sido forte em setores que pavimentam o caminho para um ritmo de crescimento mais elevado. Resultados expressivos na indústria e no setor de construção civil - que até julho já recuperara os fechamentos de vagas verificado no último trimestre de 2008 - sinalizam manutenção da retomada do PIB, que deve fechar em zero neste ano.

Quando as turbulências mundiais se acirraram, em setembro de 2008, as fábricas estavam num período de maturação dos investimentos realizados no primeiro semestre, quando o país crescia a taxas elevadas. Assim, a queda na demanda, ainda que breve, pegou a indústria com estoques elevados. A melhora da demanda doméstica, puxada por serviços, se construiu sobre os estoques acumulados pelas fábricas.

"A força do comércio varejista foi desenvolvendo uma série de fases normais ao processo produtivo, antes de desembocar no aumento das contratações", afirma André Lóes, economista-chefe do HSBC. "A decisão de contratar é difícil, porque qualquer inversão na economia não pode ser contornada facilmente por demissões, devido aos encargos incidentes sobre quebra de contratos", diz Lóes, para quem "diante da demanda, as fábricas passam a exigir mais horas trabalhadas dos remanescentes, em seguida aumentam turnos e, só então, iniciam contratações". O movimento atual mostra que a indústria recobrou confiança na demanda.

Para Lóes, a comparação com igual mês dos últimos dois anos não é "justa", uma vez que, enquanto que em 2008 o país "deglutia as turbulências mundiais", em novembro de 2007 a economia vinha de crescimento elevado. "A base naquele ano era alta, então saldos negativos na indústria e na agricultura, e mesmo números mais fracos nos serviços e comércio, não poderiam ser considerados ruins". Para ele, a situação atual é "consolidação da recuperação", justamente porque baseada no retorno da confiança das empresas.

A análise de que a crise foi deixada para trás, no emprego e na atividade, é compartilhada por outros economistas. Segundo Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Gradual Investimentos, a expectativa de crescimento forte no primeiro trimestre de 2010 foi antecipada. "Já estamos vivendo o trimestre de crescimento forte, como os dados sobre atividade deste último trimestre do ano, que serão divulgados em janeiro, devem comprovar", avalia. Segundo o economista, os dados de varejo - 331,5 mil vagas abertas, com saldo positivo de 104,7 mil postos - apresentam a "melhor indicação para o que está por vir", ao sinalizar à indústria que o mercado doméstico está forte.