Título: Brasil 2010
Autor: Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2009, Especial, p. F1

Crescimento econômico de 5% em 2010; retorno da meta de superávit primário das contas públicas consolidadas para 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB); queda do déficit nominal de 3,2% do PIB este ano para 1,3% do PIB no próximo ano; inflação na meta de 4,5%; e aumento do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos com consequente depreciação do real.

Com esse conjunto de indicadores, mais uma expansão de 6% da massa salarial e elevação da taxa de investimento da economia para 18% do PIB, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, confiante, decreta: "Entrego a economia em 2010 com os melhores fundamentos macroeconômicos do G - 20. É pouca coisa?".

Há, de fato, razões para justificar o otimismo e o bom humor do ministro. Assim como existem, também, motivos para apreensão: embora Mantega discorde, há entre os economistas um grande temor com a deterioração da política fiscal e com o aumento da dívida pública como proporção do PIB. Este ano a dívida líquida deverá chegar a 44% do PIB, em comparação aos 38,8% do PIB registrados em 2008. Para 2010, nas contas do Ministério da Fazenda, a dívida se situará entre 39% e 41% do PIB, reassumindo trajetória decrescente para chegar a 31% do produto em 2013.

O crescimento econômico será pautado principalmente pela expansão do consumo, que cresce 5% ao ano, com o consequente aumento das importações. O superávit da balança comercial, portanto, será em 2010 bem menor do que o saldo de cerca de US$ 27 bilhões projetados para este ano. Dados do Banco Central apontam para um superávit comercial de no máximo US$ 19 bilhões, mas o mercado já trabalha com apenas US$ 11 bilhões.

Essa performance levará a um aumento importante do déficit em transações correntes do balanço de pagamentos. Este, que deve chegar a US$ 18 bilhões este ano, pularia para a casa dos US$ 40 bilhões em 2010, segundo analistas de mercado. O governo, é importante notar, é sempre mais conservador nas suas projeções e, por isso, o Banco Central ainda considera possível, oficialmente, um déficit de US$ 30 bilhões para o ano que vem.

Não se deve desprezar, porém, a atuação dos investimentos na formação do produto. Os indicadores do governo apontam para uma taxa de investimento este ano na casa dos 16% do PIB, percentual que subiria para 18% em 2010 e para 23% em quatro a cinco anos.

Esse é, aliás, um grande desafio para os próximos anos, dada a perspectiva de crescimento com taxa de juros baixa, convergindo para uma taxa mais compatível com as externas.

A possibilidade de o Banco Central ter de elevar a taxa básica, a Selic, em 2010, não está descartada. O fato de o crescimento do produto no terceiro trimestre de 2009 ter sido de 1,3% sobre o período imediatamente anterior - performance aquém dos 2% ou mais que eram esperados - foi, nesse aspecto, uma boa notícia. Uma recuperação acelerada demais, depois do tombo dado pela crise financeira global, demandaria ação do Comitê de Política Monetária (Copom) antes das eleições presidenciais de outubro do próximo ano. Hoje a Selic está estacionada em 8,75% ao ano e há, no mercado, a percepção de que essa taxa está muito mais baixa do que se imagina ser um juro real neutro - algo entre 7,5% e 8%.

O governo não vê razões substantivas que possam dificultar a vida do sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo a expansão do gasto com salários do funcionalismo público, que representava 3,8% do Produto Interno Bruto em 1991, subiu para 4,81% do PIB em 2002 e deve encerrar este ano com 5,10% do PIB, é vista com tranquilidade no governo. Os gastos correntes do setor público cresceram mais de 8% e a folha de salários, em particular, aumentou cerca de 12%.

Já a oposição e, sobretudo, o PSDB do eventual candidato à Presidência da República, José Serra, tem centrado suas críticas ao excesso de gastança do governo este ano, que foi muito além do chamado esforço contracíclico necessário para fazer frente a uma ameaça de recessão profunda que se desenhava no final do ano passado; e vê com enorme receio a queda do saldo comercial e seus efeitos sobre as contas externas do país.

Mantega assegura que entregará ao seu sucessor, no Ministério da Fazenda, uma economia em forte recuperação e com um processo de crescimento sustentável. Ao contrário das crises passadas (como as de 1982 e 2002), quando a retomada foi lenta e em formato de "W" - o PIB cresce num ano, no ano seguinte sofre queda, cresce novamente, cai mais uma vez e só então assume trajetória de expansão - desta vez o processo será em "V", acredita o ministro.

Com a atividade econômica a pleno vapor e sem pressões inflacionárias, como o governo acredita que ocorrerá, as receitas tributárias voltarão a crescer, permitindo o retorno do superávit primário de 3,3% do produto.

Em entrevista ao Valor, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, também demonstrou otimismo. Segundo ele, o resultado do PIB no terceiro trimestre foi "qualitativamente superior ao do trimestre anterior", mostrando uma expansão com características muito mais sustentáveis. Liderado pelo investimento - a taxa na margem de 6,5% - , com ligeira desaceleração do consumo das famílias e desaceleração dos gastos do governo. "É uma combinação de crescimento saudável e eu diria que é a combinação ideal do crescimento.

Oxalá a combinação nos próximos trimestres mantenha esse padrão, no qual o investimento mantenha o papel de "puxador" do crescimento porque isso assegura criação de capacidade produtiva no ritmo suficiente para prevenir o aparecimento de gargalos na oferta e, portanto, de pressões inflacionárias", avaliou Luciano Coutinho.

Ele acredita que o investimento pode crescer 20% em 2010, muito acima dos 5% a 6% previstos para o conjunto da economia.

(Colaboraram Vera Saavedra Durão e Denise Neumann