Título: Economia mundial ainda passa por alta instabilidade
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Fonte: Valor Econômico, 05/01/2010, Opinião, p. A8

Os mercados iniciaram o ano otimistas, mas a economia mundial não escapou da zona de alta instabilidade. 2009 foi o ano em que os principais países desenvolvidos, com algumas exceções, deixaram para trás não só o fantasma da depressão, mas também o da recessão, e começaram a se recuperar. Há vários riscos que podem impedir que 2010 seja a continuação sonhada de um ininterrupto ciclo de retomada, como nas crises anteriores. A rigor, nenhum dos grandes desequilíbrios globais foram resolvidos e até mesmo a situação dos bancos, salvos com trilhões de dólares de ajuda pública, ainda não é confortável sem o massivo auxílio do Estado.

Uma das questões que determinarão os próximos meses diz respeito a quando e de que formas serão desmontados os enormes aparatos de sustentação do sistema bancário americano e europeu, o "afrouxamento quantitativo" que permite uma taxa de juros próxima de zero e o inchaço do balanço dos bancos centrais. Em outros termos, é fonte de angústia a mudança de mão do Fed americano em relação à política de juros. O Fed, por suas atas e declarações de Bernanke, mostrou que não pretende elevar juros tão cedo e aponta opções para evitar que enormes reservas bancárias venham a financiar o consumo em um período em que a inflação voltar a ser um problema. O Fed pretende remunerar os bancos por suas reservas e, dessa forma, calibrar a política monetária sem ter de aumentar o custo básico do dinheiro.

Na verdade, os bancos continuam jogando na retranca no crédito e a inflação deu sinais modestos de vida. As duas coisas juntas obrigam o Fed a caminhar na tênue linha de impedir uma ainda hipotética elevação dos preços sem matar uma recuperação lenta e incerta. Na dúvida, ao que tudo indica, Bernanke optará pelo crescimento, se for obrigado a escolher. Tudo dependerá do desempenho da economia americana.

A economia americana cresceu 2,2% no terceiro trimestre, com 10% de sua força de trabalho desempregada (15,4 milhões em dezembro). Com os consumidores forçados a pagar dívida e poupar mais - de negativa em 2007, a poupança passou a 4,5% do PIB no ano passado - , os estímulos oficiais continuam determinantes para sustentar as atividades econômicas, situação compartilhada pelos principais países europeus. A fonte alternativa de expansão, as exportações, não está funcionando a pleno vapor. A desvalorização do dólar americano foi seguida pelo yuan chinês, e os EUA podem até melhorar seu saldo comercial com a Europa e o Japão, sem que isso aconteça com a China, onde são pesadamente deficitários. Portanto, não há como esperar uma recuperação robusta dos EUA por um bom tempo.

A situação das economias da zona do euro é frágil. França e Alemanha voltaram a crescer, mas Reino Unido e Espanha continuam em recessão e ninguém aposta em crescimento vigoroso em 2010. As economias do Leste europeu estão em maus lençóis, com boa parte delas dependente do socorro do Fundo Monetário Internacional. A possibilidade de um default da Grécia sintetizou um temor ancorado na péssima performance de muitas economias menores da Europa. Não há sinais de que essas condições melhorem a curto prazo.

Os países emergentes são o polo ativo da economia global no momento. A China voltou a puxar os preços das commodities mundiais ao manter seu crescimento com o maior pacote de estímulo de sua história (US$ 585 bilhões). Há dúvidas sobre o equilíbrio dessa recuperação. Os bancos estatais emprestaram dinheiro demais e, em muitos casos, ampliaram a superprodução de alguns setores, que terá de ser escoada por meio das exportações. Se as economias desenvolvidas não reagirem ou, pior, perderem o fôlego, os chineses terão alguns problemas nas mãos. Os dirigentes do PC não abrem mão da moeda desvalorizada, mas precisariam fazer isso para inclinar a balança da expansão mais para o lado do consumo doméstico. O resultado seriam salários mais elevados, diminuição do saldo comercial ou até déficit nesta área. A China continua fazendo o que fazia antes da crise. Se por um lado resolve sua situação, por outro impede um rearranjo mais equilibrado da economia mundial. Não há o menor indício de que isso possa mudar.