Título: País é o que mais tem vítimas nas Américas
Autor: Maia, Samantha
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2010, Brasil, p. A4

O Brasil é o país das Américas com o maior número de pessoas afetadas por desastres naturais. Segundo um estudo da Cruz Vermelha Internacional, de 1994 a 2003 foram 2.056 brasileiros mortos em deslizamentos, inundações e secas. Esse quadro sombrio tende a se agravar com o uso desordenado da terra e os fenômenos intensos de chuva que devem acontecer com mais intensidade e frequência em tempos de aquecimento global.

Embora cientistas não se sintam à vontade de afirmar que as fortes chuvas que caíram no Rio de Janeiro no início do ano tenham sido provocadas pela mudança climática, Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) lembra que o fenômeno é igual ao de dez anos atrás.

Chuvas intensas e em períodos curtos provocaram dramas em vários locais da costa e regiões de montanha do Brasil. Em Caraguatatuba, em 1967, morreram 200 pessoas. Em Petrópolis, em 1971, foram 171. Em 1989, em Salvador, outras 100 pessoas e em Recife, em 1996, foram 66. O relevo escarpado, encostas com muito declive e o fato de chuvas intensas serem comuns dão à Serra do Mar vocação natural para deslizamentos. "Ubatuba, Caraguatatuba, Ilha Bela, São Sebastião e vários pontos do litoral de São Paulo e Rio estão sujeitos a deslizamento" diz o geólogo Agostinho Ogura, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

Ele lembra que uma chuva de 400 mm pode acontecer em qualquer lugar do litoral e causar grande tragédia. Foi uma chuva intensa, de 700 mm em uma semana, que provocou o drama recente em Santa Catarina. "O problema é complexo, exige articulação das várias esferas de governo e também de empresas responsáveis por oleodutos e linhas de transmissão elétrica", diz. As perdas econômicas também são significativas. "Imagine o que uma chuva dessas entre São Paulo e Santos pode representar em termos de PIB", cita. "Alguém está pensando em fazer a gestão deste problema?"

Existem exemplos positivos de planos preventivos sendo operados há mais de 20 anos no Brasil, aponta o geólogo, mas o problema está longe de ser equacionado. Segundo dados do Ministério das Cidades, apenas 66 municípios no país receberam recursos para elaborar planos de redução de riscos e 15 tiveram repasses para elaborar projetos para obras de contenção. "Há muito o que fazer e é preciso dinheiro para tudo: para ter um bom sistema de alerta, para o monitoramento e para trabalhar nos cenários de risco." Isso significa não só ter um plano para prevenir acidentes, mas também equipamentos que possam medir o volume de chuvas em tempo real, além de aumentar a capacitação técnica. "A informação antecipada à Defesa Civil de que pode chover 400 mm ou 500 mm em determinado lugar é de um valor inestimável", ilustra o geólogo.

O plano de prevenção de riscos, executado pela Defesa Civil e que tem o IPT como braço técnico, mapeou áreas em 74 municípios de São Paulo. Na capital, em 2003 foram apontados 210 locais. O plano de prevenção do município dizia que eram necessários R$ 150 milhões para reduzir as ameaças mais graves - mas na época, a dotação de recursos era de R$ 20 milhões para obras e R$ 5 milhões para a remoção de pessoas.

De 2003 para cá, a prefeitura levantou outras 85 áreas de risco. Em setembro, um estudo do IPT irá identificar mais 200 locais. Somando tudo, só São Paulo tem mais de 500 pontos onde podem ocorrer deslizamentos. A legislação, diz Ogura, define com clareza onde não se pode construir. "Mas na prática o que a gente vê é que a dinâmica de ocupação é muito mais rápida do que a capacidade de controle do poder público. Não se pode permitir construção de novas moradias em áreas de risco."