Título: Em 2009, inflação cai no atacado e cresce no varejo
Autor: Neumann , Denise
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2009, Brasil, p. A3

O ano de 2009 encerrou com uma grande diferença no comportamento dos preços no atacado e ao consumidor. Enquanto os preços no atacado encerraram o ano com a forte queda de 4,42% dentro do Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M), a inflação ao consumidor no mesmo índice acumulou alta de 3,97%, e os preços na construção civil subiram 3,22%. Além do câmbio, a disparidade reflete a composição da atividade da economia brasileira ao longo deste ano. Enquanto a indústria chegou à crise estocada e demorou para reagir, o varejo e o setor de serviços foram beneficiados pela relativa estabilidade no emprego, na renda e no crédito. No ano, a indústria produziu 10,1% menos até outubro em relação a igual período do ano passado e a produção agrícola caiu 8,1%, enquanto o comércio andou na direção contrária e vendeu 5,1% mais até outubro.

"Para o varejo foi mais fácil manter preços e margem ao longo do ano", avalia Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, economista-chefe da SLW Asset Management. Os índices no atacado, por outro lado, refletiram a dificuldade do setor produtivo em repassar ou mesmo manter seus preços ao longo do ano. "O IPA capturou muito mais a ociosidade na capacidade instalada", acrescenta Gomes Filho.

Para Bernardo Wjuniski, da Tendências Consultoria, a indústria entrou na crise com um alto volume de estoques e por isso precisou baixar seus preços para competir (até com os produtos importados, beneficiados pela apreciação do real). "Até o fim do primeiro semestre, o setor vendeu estoques, enquanto a combinação de renda ainda em alta, mercado de trabalho preservado e incentivos fiscais mantiveram o consumo aquecido, favorecendo a atividade no varejo", observa. Além desse fator conjuntural, diz, estruturalmente a inflação ao consumidor é muito mais resistente no Brasil.

Nos dados divulgados ontem pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o IGP-M registrou nova queda em dezembro, de 0,26%, o que fez o índice encerrar 2009 com retração de 1,72%, primeira deflação anual da história do indicador.

Para Gomes Filho, a resistência dos preços no varejo ao longo de 2009 indica necessidade de prestar atenção no risco de a recuperação da atividade pressionar os preços em 2010. Ele trabalha com uma hipótese de inflação controlada - o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deve fechar o próximo ano em 4%, abaixo do centro da meta definido em 4,5%. "Mas nos últimos meses já revisei quatro vezes a minha projeção e sempre para cima", diz ele, que antes trabalhava com uma hipótese de alta de 3,6% para esse indicador.

Nas projeções da Tendências Consultoria, os preços ao consumidor e no atacado terão uma trajetória mais próxima em 2010. Ele projeta uma evolução de 3% no IGP-M e de 4,2% no IPCA. "Os preços no atacado vão voltar a subir", diz Wjuniski. Ele não espera, porém, fortes reajustes na indústria. Embora o ciclo de ajuste de estoques já tenha acabado, o setor ainda opera com capacidade ociosa e até que essa ociosidade seja ocupada, haverá pouco espaço para reajuste de preços. Nas projeções da consultoria, a indústria vai voltar ao período pré-crise apenas no segundo semestre de 2010. "Aí poderemos ter uma pressão maior de preços", diz o economista da Tendências.

No início de 2010, contudo, os dois analistas consideram que a deflação do IGP-M em 12 meses vai ajudar positivamente a inflação ao consumidor, pois alguns preços administrados (como energia elétrica e outras tarifas de serviços públicos) terão reajustes menores ou até negativos.

O desdobramento do IPCA em segmentos mostra como a demanda manteve, de fato, um maior espaço para aumento de preços em determinados segmentos. Dentro dos preços livres (que subiram 3,81% até novembro), os bens que podem ser comercializados com o exterior subiram 5,03%, e aqueles com concorrência externa aumentaram bem menos - 2,46%. Ao mesmo tempo, o setor de serviços não mostrou nenhuma interferência da crise. A alta até novembro deste ano foi de 6,01%, percentual quase idêntico aos 5,98% registrados em igual período de 2008.