Título: A quem interessa o IOF para os investidores estrangeiros :: Bruno Licht
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2009, Opinião, p. A12

Sou de uma época não tão distante em que se pensava que o capital investido em bolsa de valores, não importava se por brasileiros ou estrangeiros, era visto como especulativo

Dizia-se que tais investimentos não criavam benefícios para a sociedade; não geravam empregos, eram só especulativos, sendo, portanto, desprezados como contribuidores para o desenvolvimento do país. Os anos recentes, principalmente os de 2006 a 2007, provaram ser falsa essa percepção popular e governamental.

Entre 2006 e 2007, o setor imobiliário brasileiro, que por décadas apresentou dificuldades em atrair capital, captou cerca de R$ 17 bilhões, principalmente junto a investidores estrangeiros otimistas com o potencial de desenvolvimento do setor no Brasil. Eles pagaram um preço por ação antes inimaginável, precificando essas companhias em valores que só se justificavam pela aposta no crescimento do setor, não só por um ano mas por vários anos consecutivos.

Essa injeção de capital nas empresas do setor imobiliário - incorporadoras, construtoras e corretoras de imóveis - gerou um salto na sua capacidade de desenvolver novos negócios, inclusive no segmento dedicado à baixa renda, até então inexpressivo. As empresas do setor foram incentivadas a criar e a inovar, para tornar realidade os planos de negócios apresentados aos investidores e a expectativa de crescimento embutida nos preços de suas ações. Esse movimento ajudou o setor a gerar 670 mil empregos formais entre 2006 e 2008.*

Caso a expectativa de crescimento se torne realidade, mérito e elogios para o capital estrangeiro que se antecipou, gerando lucros para seus investidores e empregos no Brasil. Caso o futuro mostre que os estrangeiros estavam errados em suas avaliações e a "bolha de preço" das ações do setor imobiliário venha a explodir, perderão.

Ruim... Mas para quem? Para os estrangeiros, pois realizarão perdas financeiras. Bom para as empresas brasileiras que receberam uma injeção de capital e puderam se desenvolver. O que, no fim, significaria uma transferência de renda e poupança dos estrangeiros para os empresários do setor imobiliário brasileiro.

Acho importante esse exemplo e exercício de reflexão sobre o setor imobiliário, pois parece uma síntese do dilema vivido pelo governo.

O mesmo aconteceu em outros setores da economia brasileira, como o agrícola e o de logística. Outro exemplo recente foi a participação dos estrangeiros na emissão de US$ 8 bilhões em ações pelo Banco Santander-Brasil, que, aumentando o capital da sua filial, poderá expandir o crédito para o setor privado, impulsionando o crescimento do país.

Portanto, por quê cobrar os 2% de IOF sobre a entrada de capital estrangeiro na bolsa de valores? Para desestimular o investidor estrangeiro?

Terminar com a especulação e estourar uma "bolha"? Pelo exposto acima, é difícil julgar se setores como o imobiliário encontravam-se em um momento em que os preços de suas ações já estavam sendo negociados em patamares altos, "bolha", ou se os preços altos estavam simplesmente antecipando um crescimento nos lucros das empresas. Temperado por uma expectativa de crescimento do PIB de 4,5% nos próximos anos, algumas empresas podem duplicar o lucro.

A quem os 2% do IOF beneficiam? O governo, segundo a mídia, diz que o setor exportador ganha, pois tal medida impediria a queda do dólar, e que os empregos dos brasileiros seriam preservados. Mas quais brasileiros? Os que trabalham no setor industrial, que hoje representa 18% do PIB, beneficiando mais especificamente os sub-segmentos exportadores e aqueles que têm concorrência dos importados.

A quem os 2% prejudicam? A toda uma gama de setores que estava emergindo, estimulada pela participação do capital de risco estrangeiro e que, com acesso mais restrito, deve adiar seus planos. Prejudica a todas empresas brasileiras pelo aumento dos prêmios de risco demandadas pelo investidor, consequência das incertezas que tal medida gera.

Perdem todos os trabalhadores do setor de serviços - 60% do PIB brasileiro, 21 milhões de brasileiros - que, com uma cotação do dólar mais baixa, teriam maior poder de compra. Perdem também os brasileiros do "Bolsa Família", que poderiam comprar alimentos e outros bens mais baratos.

Acredito que o governo tenha olhado para outros números quando tomou essa decisão política, pois diz governar para a maioria dos brasileiros, mas desta vez parece estar governando em favor de uma minoria.

Quais as certezas do alcance dessas medidas? Prejudica o tão desejado desenvolvimento do mercado de capitais pelas incertezas que introduz, exportando parte desse segmento e os empregos associados. A parte mais visível é o da exportação da liquidez da Bovespa&BMF para a Nova York - NYSE nas empresas com ADR (efeito similar foi verificado na criação da CPMF).

Por outro lado, se o objetivo do governo foi o de evitar um câmbio mais valorizado, cabe relembrar que passamos a ser olhados como um país sério, que, por seus méritos, se graduou "Investment Grade", e, a partir de então, atraiu uma base maior de investidores estrangeiros. Desta vez, interessados em capital de risco, ajudando a impulsionar o crescimento e a gerar empregos - diferente do passado, quando preponderava o interesse em investir em dívida, atraídos exclusivamente pelos juros altos.

Um câmbio mais valorizado, consequência do sucesso do Brasil e de sua maior atratividade para investidores, beneficia alguns setores e grupos de trabalhadores em detrimento de outros, estressando aqueles que não têm vantagens competitivas num mundo cada vez mais globalizado, revelando aqueles que as têm.

Parece que o governo brasileiro está desconfortável com o novo equilíbrio macroeconômico que o mundo propõe ao Brasil.

Ilusão achar que a tributação de 2% do IOF na renda variável só gera benefício para o Brasil.

*Segundo a pesquisa RAIS do Ministério do Trabalho e Emprego, 148.051 em 2006, 224.543 em 2007 e 296.607 em 2008.

Bruno Licht é ex-conselheiro da Bovespa. Participou ativamente na criação do Novo Mercado