Título: A política do salário mínimo e o déficit da Previdência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2009, Opinião, p. A12
As contas da Previdência fraquejam e se tornarão mais frágeis após doze anos consecutivos de aumentos do salário mínimo acima da inflação. Por razões estruturais, elas sofrerão uma pressão já sabida e incontornável, a da mudança do perfil demográfico da população até 2030, a parcela da população acima dos 65 anos de idade dobrará, para cerca de 13% do total. Só isso já recomendaria a necessidade de se planejar uma nova reforma. Mas as políticas de curto prazo poderão antecipar a hora de um ajuste de contas, sempre adiado porque as medidas de correção são sempre impopulares e os governantes e políticos costumam ter como horizonte seus mandatos.
Este ano a Previdência caminha para um déficit de R$ 43 bilhões, de acordo com os dados de novembro e as projeções do ministério. É certo que elas não repetirão o desempenho de 2006, que teve um déficit recorde de R$ 44 bilhões, mas o resultado se tornará, então, o segundo pior da história. 2009 foi um ano de crise, embora ela tenha sido moderada no Brasil e o desemprego, que afeta diretamente as receitas da Previdência, não tenha aumentado significativamente, como nas crises anteriores. O fato, porém, é que os aumentos reais se tornaram prática administrativa, fixada em lei e eles serão maiores quanto maior for o crescimento do Produto Interno Bruto. O reajuste de 2010 será de 6% acima da inflação. A conta adicional para os cofres previdenciários é de R$ 4,6 bilhões.
Visto a longo prazo, desde 1995, o salário mínimo quintuplicou em termos nominais (de R$ 100 para R$ 510) e dobrou em termos reais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerra seus dois mandatos com a concessão de aumento real de 53%, um pouco acima dos oito anos do presidente Fernando Henrique Cardoso, que elevou o mínimo em 44,27% ("Folha de S. Paulo", 22 de dezembro). A diferença entre os dois governos, se não foi tão nítida pelo percentual de correção, o foi nas tentativas de acerto das contas previdenciárias. A reforma do governo FHC, com a criação do fator previdenciário, por exemplo, estancou por algum tempo a sangria nas contas. O governo Lula não se preocupou com o assunto.
Quando o atual governo teve de lidar com a questão previdenciária, agiu mal. Ele teve nas mãos a possibilidade de corrigir parte da absurda disparidade entre aposentadorias públicas e privadas, em que cidadãos que pagam impostos e recebem o teto da Previdência sustentam servidores que receberão, pelo resto de suas vidas, proventos quase integrais aos que recebiam quando na ativa. Para os novos ingressantes no serviço público, a lei indicava a necessidade de constituição de fundos de previdência complementar, em cuja adesão residia, para o servidor, a única possibilidade de se aposentar com proventos superiores ao teto da Previdência. Desde então, mais de 100 mil novos funcionários foram contratados e os fundos não saíram do papel.
Além disso, o atual governo reagiu de olho nas urnas quando ganhou força no Congresso, com apoio dos sindicatos, a proposta de um aumento idêntico para os aposentados que ganham acima do salário mínimo. Os sindicatos embarcaram na proposta, cientes de que em ano de eleições presidenciais conseguiriam obter pelo menos parte do que pretendiam. Não deu outra. Foi dado aumento real de 2,5% além da inflação para os aposentados que ganham além do mínimo em 2010 e estuda-se repetir a dose em 2011.
A contínua corrida às aposentadorias piora a contabilidade previdenciária. O estoque de benefícios cresce à razão de 4,8% ao ano, segundo o secretário da Previdência, Helmut Schwarzer, uma velocidade bem acima do crescimento demográfico. Schwarzer disse que a arrecadação do setor cresceu 6,6% acima da inflação este ano. O fato é que as despesas correm a uma velocidade maior.
A Previdência continua a viver de remendos. Não há como fugir da discussão de se o reajuste do salário mínimo, que tem enorme poder redistributivo de renda no país, deve ou não continuar sendo o padrão para reajuste de aposentadorias e pensões. Como estas, há outras questões, nada novas, que podem trazer saídas para o déficit. A possibilidade de que ideias relevantes sejam discutidas nas eleições, entretanto, é nula - seria uma fórmula certeira de perder votos.