Título: Transporte é gasto social em plataforma tucana de 2010
Autor: Lima , Vandson
Fonte: Valor Econômico, 30/12/2009, Especial, p. A14

Última votação do ano na Assembleia Legislativa de São Paulo, o Orçamento estadual para 2010 é a prévia da plataforma eleitoral do governador José Serra. A Pasta com maior crescimento de recursos (43%) é a de Transportes Metropolitanos. Passará de R$ 5,8 bilhões em 2009 para R$ 8,3 bilhões em 2010. Já as Pastas de Educação e Saúde tiveram aumentos mais tímidos. De R$ 15,5 bilhões para 16,2 bilhões em Educação (4,5%) e de R$ 10,9 bilhões para 11, 7 bilhões na Saúde (7,3%).

A lista de prioridades reflete a disposição do PSDB em assumir o discurso de que investimento em infraestrutura urbana é, sim, gasto social. Com essa plataforma, o PSDB espera fazer o contraponto à principal vitrine da candidatura Dilma Rousseff, as políticas de inclusão social do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

"Rodoanel e melhor transporte metropolitano não é investir no social? A pessoa terá mais tempo para sua família, chegará em casa mais cedo", diz o líder do governo na Assembleia, o deputado estadual Vaz de Lima (PSDB).

Na construção desse discurso, Serra enfrentará a exploração, pelos partidos de oposição, dos acidentes que têm marcado a evolução das obras do Metrô e do Rodoanel.

Além do aumento já chancelado nos investimentos em infraestrutura, Serra obteve do Legislativo uma grande folga para remanejar seus gastos em ano eleitoral, a começar pelas previsões do Produto Interno Bruto (PIB) contidas na peça orçamentária.

Enquanto o boletim Focus, do Banco Central, traz a expansão de 5,08% e instituições como o Credit Suisse, a LCA Consultores e o Bradesco apontam respectivamente 6,5%, , 6,1% e 6% para o PIB nacional, o crescimento previsto pelo governo para o Estado é de 3,5%. Desde 2004, o indicador avança mais no Estado do que na média do país - a exceção de 2006, quando ambos foram iguais.

"Nos últimos três anos, o Estado teve de 6% a 7% de excesso de arrecadação, que ficam livres para o governador utilizar como quiser", argumenta o deputado Enio Tatto (PT). O presidente da Assembleia Legislativa, Barros Munhoz (PSDB), vê na previsão de crescimento um patamar conservador, porém razoável: "Se alcançarmos números maiores, o dinheiro reforçará o que já estava programado no Orçamento. Temos de trabalhar de maneira segura".

Para Geraldo Biasoto, especialista em contas públicas, tais artifícios para angariar maior margem de remanejamento são manobras comuns: "Tanto o governo federal quanto os Estados usam esse expediente".

O analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, Felipe Salto, vê na estimativa do governo Serra uma prática condizente com um ano de virtual crescimento: "Quando a economia vai mal, as previsões de PIB do governo começam geralmente altas, para evitar queda da receita, e depois vão diminuindo, conforme o cenário. Em ano eleitoral, os governos preferem trabalhar com brechas na movimentação de recursos".

Além de expedientes como uma previsão mais acanhada do PIB, Serra dispõe de uma margem de remanejamento de 17% da dotação orçamentária, inferior ainda à do governo federal, que chega a 25% no Orçamento da União, aprovado na semana passada no Congresso Nacional.

O governador não teve dificuldade em passar seu Orçamento, que fixa as despesas do Estado para 2010 em R$ 125,5 bilhões, na Assembleia Legislativa. Serra conta hoje com 71 deputados, inclusive de partidos que, no âmbito federal, apoiam o governo Lula, como PSB e PMDB. A oposição tem, além do PT, partidos menores, como P-SOL e PCdoB e conta 23 deputados.

A despeito de episódios esporádicos, como deputados passeando pelo plenário com crianças de colo ou um grupo uniformizado fazendo lobby pela volta do amianto, a votação do Orçamento para 2010 foi tensa. Nos dias 16 e 17, os trabalhos foram até as três e meia da madrugada. No saldo final, a oposição manteve a postura crítica à diminuição de verbas para enchentes e desejava maiores investimentos na área social. Vaz de Lima defende o governo, alegando que "há várias obras para enchentes em fase final de construção. Ano que vem estarão funcionando, então é óbvio que o investimento diminui".

Foram acolhidas 2.067 das 11.833 emendas apresentadas pelos parlamentares. O maior acolhimento das emendas fruto de audiências públicas em todo o Estado reflete a preocupação do governo estadual em conter insatisfações em redutos eleitorais importantes do interior.

Das 78 emendas retiradas a partir das sugestões das 21 audiências públicas, realizadas entre junho e agosto em 21 regiões do Estado, 30 foram aceitas, sob a forma de subemendas.

Os deputados Enio Tatto e Mauro Bragatto (PSDB), este também presidente da Comissão de Finanças e Orçamento, foram os principais articuladores das audiências públicas, que acontecem há cinco anos. Bragatto acredita que esta foi a melhor edição até agora, e credita a melhora na formulação de propostas à presença de um técnico enviado pela Secretaria de Planejamento para acompanhar os debates: "Muitas reivindicações não podem ser atendidas porque as demandas pertencem à esfera municipal ou federal. Parte da bancada da Alesp sequer acreditam nas audiências públicas. Então, acho que deu resultado sim".

Como a lei orçamentária tem natureza programática e geral, não há como vincular a verba remanejada à região que a solicitou, e tampouco para a finalidade especificada na audiência, visto que muitos pedidos são pontuais. Se uma região solicitou a construção de um hospital, por exemplo, a subemenda agrega recursos destinados à saúde, sem especificação.

Durante a votação do Orçamento, o deputado Raul Marcelo (P-SOL) subiu ao plenário pra protestar: "Várias pessoas perderam o dia de trabalho para participar das discussões. Devíamos acatar as emendas da maneira que vieram, ou as audiências cairão em descrédito".

Um acordo entre as partes foi tentado no início do ano, quando o colégio de líderes dos partidos se reuniu. Para que todos os deputados tivessem visibilidade e a Casa trabalhasse em harmonia, cada um teria pelo menos dois projetos de sua autoria aprovados. O acordo, rompido no final do primeiro semestre, apertou a disputa entre as partes, com cada um usando das armas que dispunha. Segundo Vaz de Lima, "a oposição faz tudo o que pode para dificultar a vida do governador".

A base governista reclama que, valendo-se da prerrogativa de aprovação pela Alesp de dois projetos para cada deputado, a oposição passou a criar projetos de caráter popular, porém inviáveis. Sabendo que seriam vetados pelo governador José Serra, usavam o episódio políticamente, como que dizendo a suas bases eleitorais que apresentaram propostas, mas que foram derrubadas pelo governador.

A oposição protesta, afirmando que a base tem, nas palavras do líder oposicionista Rui Falcão (PT), "exercido o papel de uma maioria esmagadora, porém dócil aos desígnios do governador. O Legislativo não pode se tornar uma casa de carimbo do Executivo". O que mais irritou a oposição foi o requerimento de urgência, abundantemente usado pelo governador. Com este artifício, as propostas não passam por comissão. Vão direto para um relator. "Como a base governista tem ampla maioria, aprovações de projetos importantes têm sido feitas às pressas, sem discussão", diz o líder da oposição.

Até o início da votação do Orçamento, 147 proposições foram avaliadas pela Assembleia Legislativa, sendo 61 de iniciativa do Executivo, 27 originadas na oposição e outras 59 dos partidos da base governista. Do total de matérias apresentadas, 74 transformaram-se em leis, sendo 58 de iniciativa do Executivo estadual, 6 originárias da oposição e 10 dos demais partidos.

É um balanço que mostra uma preponderância maior do governo estadual do que aquela exercida pelo Executivo federal no Congresso Nacional. Das 255 leis de 2009, 133 são de iniciativa de parlamentares, sendo 67 de deputados, 61 de senadores e cinco de comissões, contra 99 do Poder Executivo, 20 dos Tribunais Superiores, duas da Procuradoria-Geral da República e uma do Tribunal de Contas da União.