Título: Palma vê 'campo minado' na economia global
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/01/2010, Brasil, p. A4

A economia global permanece um campo minado, tomada por riscos nada desprezíveis, adverte o economista chileno Gabriel Palma. Professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, Palma aponta uma série de desequilíbrios e ameaças ao cenário otimista traçado para 2010 por muitos analistas. Ele cita as bolhas especulativas nas bolsas de valores e no mercado de commodities, a existência de várias "bombas-relógio financeiras" no mundo, com diversos países em situação fiscal delicada, como a Grécia, a fragilidade de boa parte do sistema bancário americano e as incertezas sobre o que ocorrerá quando os bancos centrais dos países desenvolvidos começarem a reverter as políticas de estímulo monetário. "O terreno deverá continuar minado por vários anos. Esta crise será conhecida no futuro mais pela sua duração do que por sua intensidade."

É um cenário global de muita incerteza, que obviamente traz riscos para o Brasil, diz Palma, observando que o país deve experimentar neste ano uma alta substancial do déficit em conta corrente - vários analistas projetam um número superior a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). "Não se deve considerar que o financiamento deste déficit será sempre tão fácil como agora", diz Palma, que está no Brasil para participar de um seminário para repensar a macroeconomia e a economia do desenvolvimento, promovido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), em parceria com a Universidade de Cambridge, e com apoio da Ordem dos Economistas do Brasil.

Palma diz não ter dúvidas de que há uma bolha nos mercados acionários. Segundo ele, a alta das bolsas americanas teve como principal combustível o aumento da liquidez proporcionado pela política monetária agressiva, marcada por juros próximos de zero e pelas medidas de relaxamento quantitativo, pela qual o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) compra títulos públicos e privados. Isso levou algumas centenas de bilhões de dólares para as bolsas americanas. "O movimento não é uma resposta racional a melhoras nos EUA e na economia global", diz ele. O eventual estouro dessa bolha, diz ele, teria repercussões sobre a bolsa brasileira, cujos preços também lhe parecem artificialmente inflados.

O economista acredita que muitas commodities subiram de preço em grande parte devido ao excesso de liquidez internacional. "O nível das cotações não pode ser justificado apenas pela demanda da China", afirma ele, dando o exemplo do cobre. O produto está cotado a mais de US$ 3 por libra, enquanto o preço histórico é de US$ 1. "É verdade que o consumo chinês é parte do fenômeno, mas a China absorve cerca de 10% do cobre global. Não é motivo suficiente para que as cotações estejam três vezes acima do valor "normal", já que 90% do restante do consumo está relativamente estancado."

Com preços sustentados por movimentos especulativos, os riscos de oscilações fortes das cotações de commodities aumentam. Para o Brasil, um grande exportador de produtos primários, é um cenário delicado, avalia.

Palma mostra bastante preocupação com o que classifica como "bombas-relógio financeiras". "Há vários "Dubais" pelo caminho", adverte, em referência ao pedido de renegociação de dívida feito em novembro pelo conglomerado Dubai World, que tem o governo do emirado árabe como principal acionista. O economista lembra que a Grécia, imersa em déficits fiscais elevadíssimos, não é o único país do mundo a enfrentar problemas de endividamento. Irlanda, Espanha, Portugal e alguns países do Leste Europeu também se encontram em maus lençóis. "Há bombas para serem desarmadas."

O professor de Cambridge vê com maus olhos a situação do sistema financeiro americano, que "continua incrivelmente frágil". Segundo ele, grandes bancos americanos estão vivos apenas pela adoção de regras de contabilidade muito frouxas. "A "contabilidade Enron" [empresa americana que abusava de práticas contábeis fraudulentas e pediu concordada em dezembro de 2001] se tornou quase a norma."

Para completar, há a grande incógnita sobre quando e como os países desenvolvidos vão promover as "estratégias de saída" dos estímulos monetários e fiscais adotados para combater a crise global, lembra ele. O fim do relaxamento quantitativo e a alta de juros vão afetar a liquidez global, o processo que tem sustentado a alta das bolsas e das commodities. A delicada situação fiscal de muitos países ricos, por sua vez, deverá exigir cortes de gastos expressivos nos próximos anos. "E, como vocês bem sabem no Brasil, esses processos de ajuste costumam recair sobre os investimentos."

Como se vê, é um cenário global de muita incerteza, arriscado para um país como o Brasil, que entra numa trajetória de déficits crescentes na conta corrente (transações de bens, serviços e renda com o exterior), diz Palma. Ele acha que o país pode crescer de 5% a 6% neste ano, mas não considera que esse número está dado, como avalia boa parte dos economistas. "O Brasil enfrentou bem a crise, mas não vejo motivos para tanto otimismo com o país."

O mercado interno forte e os preços altos de commodities podem ajudar o Brasil a registrar um crescimento mais elevado do que no período posterior a 1980, ainda que seja elevado para padrões latino-americanos. "Se fosse na Ásia, uma expansão de 5% a 6% causaria preocupação no governo. Na América Latina, nossas expectativas estão tão rebaixadas que uma expansão de 6% é aplaudida de pé."

Palma vê problemas graves no Brasil, criticando o câmbio valorizado, os juros altos e a política fiscal, marcada, para ele, por um baixo volume de investimentos e gastos elevados demais com juros. "Uma coisa a se perguntar é por que o Brasil, num momento em que os preços de commodities estão altos e o crescimento ainda é moderado, tem uma conta corrente deficitária", afirma ele. Para Palma, os problemas mencionados acima - o dólar barato, o juro alto, a falta de investimento em infraestrutura - ajudam a explicar o fenômeno.

O economista critica duramente o câmbio valorizado, que prejudica as exportações e leva a uma ampliação muito forte das importações. "A adoção de controle de capitais pelo governo foi um passo importante, mas deveria ser mais agressivo", diz ele, referindo-se à taxação de 2% do capital estrangeiro que entra na bolsa ou na renda fixa, definida em outubro. Palma diz que um grande problema do Brasil e de outros países da América Latina é a incapacidade de sustentar o crescimento por períodos longos, como fazem os asiáticos. "Nós somos corredores de 400, 800 metros, eles são maratonistas."