Título: Para empresas, projeto do trem-bala é muito arriscado
Autor: Maia , Samantha
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2010, Brasil, p. A6

Com a primeira oportunidade para se pronunciar tendo em mãos o edital para a licitação do trem de alta velocidade (TAV) brasileiro, os consórcios internacionais que disputam o contrato mostraram-se decepcionados ontem durante audiência pública realizada na capital paulista. Segundo vários executivos envolvidos no projeto, o modelo do trem-bala brasileiro apresenta riscos insustentáveis para o futuro concessionário, tanto do lado da receita - o chamado risco de demanda - como do lado da despesa, com brechas para gastos não previstos em obras, desapropriações e licenciamento ambiental.

Companhias como Alstom e Siemens e representantes de empresas japonesas, chinesas e coreanas mostraram decepção diante do projeto apresentado, principalmente porque o governo havia acenado com a possibilidade de incluir no edital uma cláusula cobrindo o risco de demanda, a maior ameaça ao empreendimento. Para justificar a preocupação, executivos do ramo citam com frequência os casos do trem-bala de Taiwan e do Eurotúnel, concessões ferroviárias que se transformaram em catástrofes financeiras. Em ambos os casos, a demanda real ficou próxima à metade do previsto.

O diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Bernardo Figueiredo, declarou em algumas ocasiões que o risco de demanda seria coberto pela flexibilização do prazo da dívida. O projeto, cujo investimento total é de R$ 34,6 bilhões, deve receber R$ 20 bilhões em recursos do Tesouro, com prazo de pagamento de 30 anos e taxa TJLP mais 1% ao ano. Pela proposta de Figueiredo, caso a demanda ficasse aquém do previsto, o prazo poderia ser estendido para 40 anos. Na versão do edital apresentado pelo BNDES, contudo, não há nenhuma previsão do tipo. Segundo um representante da agência, a única possibilidade aberta pelo poder público é do consórcio pedir o reequilíbrio econômico do contrato no decorrer da concessão.

Segundo representantes de dois consórcios que disputam o contrato, o critério já estava acordado, mas o governo voltou atrás na última hora. Um dos executivos envolvidos na disputa - que preferiu não se identificar - disse que sua empresa encomendou a um escritório brasileiro um estudo de demanda alternativo ao do governo. O resultado: uma demanda quase 50% inferior à prevista pelo governo. Um representante de outro consórcio diz que também tenta fazer a própria previsão de demanda, mas no momento ainda está preocupado em descobrir como o governo chegou nos próprios números. Na proposta brasileira, no primeiro ano de operação, o TAV transportaria 18 milhões de passageiros - 50% do total da rota entre Campinas, Rio de Janeiro e São Paulo. Em sete anos, o movimento já seria 80% maior, e chegaria a 100 milhões em 2044.

A partir do estudo de demanda, o governo estima que a receita arrecadada pela concessionária chegará a R$ 171 bilhões nos 40 anos de contrato. A maior parte desse valor, R$ 99 bilhões, será obtida nos últimos anos de concessão, de 2035 a 2049. Isso garantiria uma Taxa Interna de Retorno (TIR) do projeto de 5,7% ao ano e de 9,2% ao ano ao acionista.

Para Helcio Aunhão, diretor de novos negócios de mobilidade da Siemens, não há dados o suficiente para se falar em retorno do investimento. "É um projeto novo, sem um histórico de resultados no país. Estamos em uma situação de ter de aceitar um estudo de demanda sem saber a sua base", diz ele.

A companhia está pleiteando que seja determinada uma demanda mínima, abaixo da qual o governo federal assuma o risco, como foi feito na Parceria Público-Privada (PPP) da Linha 4 do metrô de São Paulo. No projeto paulista, o governo estadual cobrirá a diferença entre a demanda real e a esperada, mas em caso de movimento maior de passageiros, o poder público também tem participação nos lucros.

Segundo o consultor Carlos de Faro Passos, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV/SP), por não haver o projeto básico, o custo também é uma variável de risco no projeto. "Apenas com um projeto referencial não é possível dizer se no fim o custo vai ser de R$ 30 bilhões ou de R$ 70 bilhões."

Para o representante de um dos consórcios, um problema grave é que o governo cobrirá os custos de desapropriação e licenciamento, mas apenas do traçado sugerido pelo estudo inicial - que foi apresentado antes da liberação dos estudos geológicos. Para a empresa, os custos decorrentes de qualquer mudança de traçado - e sua proposta já apontou várias alterações - ficarão a cargo do concessionário se superar o valor estimado pelo governo.

O diretor da Siemens explica que as empresas estão preparando suas propostas em cima do projeto referencial, mas será necessário ao menos um ano para que o consórcio vencedor prepare o projeto definitivo do trem-bala. "Só a partir disso é que vamos ter o custo real do empreendimento", afirmou.