Título: Após tragédia, Haiti precisa de megaoperação de socorro
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Fonte: Valor Econômico, 14/01/2010, Internacional, p. A12

Uma grande mobilização internacional será necessária para retirar o Haiti dos escombros do terremoto de terça-feira e para evitar que o cenário pós-tragédia não seja ainda mais devastador. Sem ajuda suficiente, o quadro de fome, violência e de disseminação de doenças tende se agravar nos próximos dias e meses no país mais pobre das Américas.

A Cruz Vermelha estima que 3 milhões de pessoas precisam urgentemente de ajuda, de abrigo a alimentos, e que muitos haitianos vítimas do tremor dependerão de ajuda até o fim do ano.

Perguntado sobre o saldo de mortos, o presidente do Haiti, René Preval, parecia perdido: "Não sei", disse, acrescentando: "Até agora, ouvi dizer 50 mil, 30 mil." Antes, o primeiro-ministro, Jean Max Bellerive, dissera que mais de 100 mil pessoas podem ter morrido no tremor de 7 graus, o mais forte a atingir o país em 200 anos. Pode levar semanas até haver uma estimativa precisa das vítimas.

Ontem, a ONU disse que US$ 10 milhões estavam sendo liberados para os primeiros trabalhos de resgate e apoio. "Estamos diante de uma grande emergência humanitária", disse o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

As promessas de ajuda se multiplicaram. Dos EUA a Israel, da Venezuela à Islândia, do Canadá à China. Mas o Haiti, que acumula em sua história recente crises humanitárias e tragédias acostumou-se a promessas não cumpridas. A última delas foi feita em abril de 2009, numa conferência nos EUA organizada para arrecadar doações para o Haiti se recuperar dos enormes danos provocados por furacões. Dois meses após a promessa dos países participantes de doar US$ 300 milhões, nenhum centavo havia chegado, disse em junho a então primeira-ministra haitiana, Michèle Pierre-Louis.

As cenas na capital, Porto Príncipe, não recomendavam atrasos no envio de ajuda. Havia corpos espalhados pelas ruas da cidade. Corpos de crianças estavam amontoados perto de escolas arrasadas. Muitos já começavam a ser cobertos por moscas, com risco iminente de disseminação de doenças. Feridos vagavam pelas ruas, ainda cobertos de pó e sangrando.

Num sinal extremo da pobreza e da infraestrutura em cacos, não se viam ontem nas imagens das TVs o vaievém de ambulâncias, policiais e bombeiros típico em situações como essa. A capital haitiana parecia abandonada às suas vítimas.

O estacionamento do Hotel Villa Creole virou um improvisado centro de triagem de vítimas com ferimentos expostos aguardando, ao lado dos escombros, a chegada de médicos e ajuda. "Os hospitais não podem dar conta de todas essas vítimas", lamentava o médico Louis-Gerard Gilles. "O Haiti precisa rezar. Todos nós precisamos rezar juntos."

"O Parlamento ruiu. A sede da Receita ruiu. As escolas ruíram. Os hospitais ruíram", disse o presidente Preval. A principal prisão da cidade também veio abaixo.

Porto Príncipe estava sem eletricidade e telefone ontem. Rumores sobre saques se espalhavam. A advogada italiana Cristina Iampieri, que trabalha na sede da ONU no Haiti, disse que, com o passar das horas, cresce o temor de escalada da violência. "Nós estamos bem, o único medo são os saques", disse ela em Porto Príncipe. A segurança na capital é mantida com ajuda de forças internacionais, que também sofreram com o desastre.

Além dos US$ 10 milhões anunciados pela ONU, os EUA anunciaram o envio de navios (incluindo um porta-aviões), helicopteros, aviões de transporte e 2 mil marines. A Comissão Europeia aprovou ¿ 3 milhões em ajuda; a Espanha prometeu outros ¿3 milhões; Holanda, ¿2 milhões; a Alemanha, ¿1,5 milhão. A China prometeu doar US$ 1 milhão. O Banco Mundial disse que enviará mais US$ 100 milhões. Israel, Taiwan, Venezuela, México e até Islândia prometeram enviar aos haitianos de médicos a cães farejadores.

Muitos desses países estão também trabalhando para localizar e resgatar funcionários de suas embaixadas e agências.