Título: Alavancagem dos bancos subirá
Autor: Travaglini , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 14/01/2010, Finanças, p. C1

Apesar da promessa de crescimento de 20% das carteiras de crédito para o ano, os bancos começam essa caminhada com quase R$ 100 bilhões a menos de espaço para conceder novos empréstimos. Isso porque o Banco Central retirou a possibilidade de as instituições usarem as provisões adicionais contra calote como reforço de capital.

Com a mudança, que entra em vigor em abril, todo colchão adicional contra inadimplência feito durante a crise, que supera os R$ 13 bilhões deixa de ser usado para reforçar o patrimônio dos bancos. O BC estimulou essa poupança ao permitir, em 2008, que os bancos usassem esses recursos como capital para efeito de alavancagem. Em dezembro do ano passado, com o fim da crise, a possibilidade foi revogada.

"Durou pouco", diz Domingos Figueiredo de Abreu, vice-presidente do Bradesco. Para ele, a medida de incentivo foi tomada pelo BC na hora adequada, para reforçar o sistema, mas poderia ser mantida por mais um tempo, já que a economia começa a acelerar novamente e volta a demandar mais crédito.

Pela nova regra, o chamado índice de Basileia - que indica quanto os bancos podem emprestar proporcionalmente ao seu patrimônio - deve cair em todas as instituições de grande porte entre 0,5 e 1,5 ponto percentual. Em outras palavras, a alavancagem dos bancos vai aumentar.

Quem fica com o cinto mais apertado, segundo o cálculo de analistas, é o Banco do Brasil, que vê seu índice recuar de 13,9% para algo entre 13,2% e 13,5% - já considerando a captação feita no fim do ano e que deve dar uma folga no primeiro trimestre, antes de a nova regulamentação entrar em vigor. Não por acaso o banco planeja um lançamento de ações neste ano. A estimativa de mercado é que o volume do aumento de capital precisaria ser próximo a R$ 10 bilhões, para que a instituição se aproxime do patamar de capitalização dos concorrentes.

A decisão de captar na bolsa, diz Walter Malieni, diretor de crédito do BB, é anterior à mudança na regra e visa a estratégia de capitalização. "Temos uma obsessão em nos mantermos no Novo Mercado e precisamos ampliar nosso free float." A Bovespa estipula que empresas do Novo Mercado têm que manter no mínimo 25% de suas ações em circulação (free float).

Quem mais perde é o Itaú Unibanco, cujo índice recua cerca de 1,5 ponto percentual, caindo de confortáveis 16,3%, para algo em torno de 15% - ainda acima do mínimo exigido pelo BC, de 11%. Para o Bradesco, o impacto é menor, de 1 ponto. "Não nos afeta muito fortemente. Antes poderíamos ampliar nossa carteira em cerca de R$ 180 bilhões. Deve reduzir um pouco, mas ainda ficamos bem acima da capacidade de a economia tomar crédito", diz Abreu. O Santander está em posição confortável depois da oferta de ações e seu índice deve ficar acima de 22%.

Essa mudança trouxe outra indefinição: qual destino será dado às provisões adicionais feitas no período de crise e contabilizadas como capital, que somam R$ 13 bilhões no caso dos quatro maiores bancos. Com o cenário menos nebuloso e a inadimplência em queda, o excedente, que varia entre 20% e 30% dependendo da instituição, perde relevância.

O Itaú é quem tem mais provisão adicional acumulada, R$ 6 bilhões. BB e Bradesco têm R$ 3 bilhões cada, enquanto o Santander possui R$ 1 bilhão. Se fizerem uma reversão dessas provisões, isso vira lucro imediato. Pode-se dizer, então, que os bancos têm um colchão de R$ 13 bilhões para transformar em lucro quando acharem conveniente. A grande restrição, no entanto, é que lucro paga imposto.

As provisões extra tiveram um custo, já que a rentabilidade da intermediação do sistema bancário caiu de 3,1%, em junho de 2008, para 2,5% ao final do primeiro semestre de 2009, diz o BC no seu Relatório de Estabilidade Financeira de outubro de 2009.

Os bancos, no entanto, não parecem ter grandes planos para essa gordura. Segundo Abreu, a provisão adicional feita pelo Bradesco em junho, e que soma R$ 3 bilhões, recuperou a margem de cobertura histórica da instituição, de 166% (total provisionado sobre o crédito em atraso acima de 90 dias). "Deve continuar assim. Não precisamos constituir mais provisão adicional, mas não há a necessidade de reverter as já existentes. Vamos manter um bom colchão", diz Abreu. Ele diz ainda que esse volume, ao longo do tempo, perde representatividade à medida que cresce a carteira de crédito e a provisão mínima.

Malieni, do BB, diz que a estratégia do banco também não muda e a reserva não será mexida. Segundo ele, esses recursos não foram acumulados para efeito de patrimônio, mas sim para uma eventualidade que escape aos modelos estatísticos, como foi a crise, evitando a necessidade de uso de capital econômico da instituição.

Há uma expectativa de que pelo menos o Itaú Unibanco faça algum movimento, já que suas reservas são muito maiores do que seus concorrentes. Segundo um analista ouvido pelo Valor, o banco poderia transferir parte desses recursos para o fundo de integração, criado para cobrir as despesas da junção de Itaú e Unibanco.