Título: Lições históricas de um trilema
Autor: Wjuniski , Bernardo S.
Fonte: Valor Econômico, 12/01/2010, Opinião, p. A12

Um dos mais conhecidos conceitos econômicos, que possui grande aplicação prática, é o trilema da impossibilidade, também conhecido pelo nome do seu proponente como trilema de Mundell. Ele foi desenvolvido ainda nos anos 1960 por Robert Mundell, prêmio Nobel de economia de 1999 . Mundell observou que numa economia aberta não é possível alcançar três objetivos simultaneamente: permitir a livre mobilidade de capitais; ter câmbio fixo e conservar a autonomia para executar uma política monetária voltada para fins domésticos. A escolha de dois desses objetivos sempre força o terceiro a se ajustar aos outros. Por exemplo, a escolha da livre mobilidade de capitais e da política monetária independente força os países a deixar o câmbio flexível. Neste contexto, o câmbio fixo não é sustentável devido ao livre movimento de capitais, fortemente influenciado pelas variações na política monetária doméstica. Uma situação semelhante ocorre quando outros dois desses objetivos são escolhidos. O trilema sempre impõe restrições e escolhas.

O trilema não é nenhuma novidade, grande parte dos economistas o conhece e entende sua forma de funcionamento e suas restrições. O que possivelmente está fora do conhecimento geral é a história das escolhas desse trilema, e as lições que podemos tirar dela. Desde 1870, época do início do liberalismo moderno, é possível dividir a história do trilema em três grandes períodos, cada um deles com uma escolha distinta. Entre 1870 e a grande crise, o mundo optou pela livre mobilidade de capitais e pelo câmbio fixo. Isso gerou o início do capitalismo global e dos fluxos de capitais internacionais, e também consolidou o padrão ouro, pelo qual todas moedas mantinham uma paridade fixa com o ouro. Naquela época, o mundo abriu mão da política monetária doméstica, e os países não utilizaram a taxa de juros como mecanismo para incentivar a economia ou controlar a inflação. Após a Segunda Guerra Mundial, a escolha mudou. Durante a recuperação, na chamada era de Bretton Woods, os países optaram pelo controle de capitais, podendo assim manter a taxa de câmbio fixa ao tempo que usavam a política monetária doméstica de forma a incentivar a recuperação. Finalmente, após os choques do petróleo e a quebra da paridade dólar-ouro, o mundo optou pela terceira alternativa dentro do trilema. Retomou-se a livre mobilidade de capitais e manteve-se a política monetária independente, abrindo mão portanto do câmbio fixo e iniciando a era de câmbio flexível.

Evidentemente essas escolhas influenciaram o desempenho econômico dos países e também foram fortemente influenciadas pelas conjunturas de cada época. Mas será possível compará-las e tirar lições dessa história? Estudos recentes de importantes historiadores econômicos como Barry Eichengreen, Michael Bordo e Larry Neal têm olhado para esse problema, visando entender os impactos de cada uma dessas escolhas. Uma das maneiras de fazer isso é comparando as crises econômicas de cada um dos períodos, buscando entender o impacto das escolhas na sua frequência e força. O período intermediário, o do predomínio do arranjo de Bretton Woods, é sem dúvida o de menor incidência de crises e de maior estabilidade, justamente devido à escolha pela restrição da mobilidade de capitais. Porém, comparar o período atual com Bretton Woods seja possivelmente injusto. O pós-guerra foi sem dúvida um momento muito particular na história, caracterizado pelo forte crescimento econômico, poucas crises e grande estabilidade.

Entretanto, a comparação de hoje com um período mais similar, o iniciado em 1870, traz lições interessantes. O período entre 1870 e a grande crise é atualmente chamado por historiadores econômicos de "primeira era da globalização", pois foi caracterizada por forte liberalismo econômico e financeiro, grande desenvolvimento tecnológico, crescimento do comércio mundial, enfim, características próximas a globalização que vivemos hoje. Em termos de crise, ambos os períodos apresentam uma frequência similar de crises bancárias, caracterizadas pela quebra de bancos e por corridas por papel moeda. Mas o período recente apresenta grande frequência também de crises de moeda, caracterizadas por grandes fugas de determinadas moedas ou por ataques especulativos. Como resultado, ocorre grande incidência das crises consideradas gêmeas, isto é, que são bancárias e de moeda ao mesmo tempo. Alguns poderiam argumentar que a incidência desse tipo de crise não é resultado da opção pelo câmbio flexível, mas sim do fato de muitos países tentarem quebrar com essa escolha, adotando medidas para manter o câmbio fixo. De fato, diversos países tentaram passar por cima do trilema, fazendo tentativas de defender os três objetivos simultaneamente, mas isso em grande parte se explica como reação pela própria escolha dentro do trilema. É essa escolha que abre espaço para a possibilidade de fugas de capitais e de crises de moeda: as escolhas anteriores não permitiam que os países a desafiassem dessa forma. Nessa linha, não há como negar que a incidência de crises de moeda e gêmeas é consequência da escolha atual do trilema.

Ainda na comparação entre as duas eras de globalização, as crises bancárias também foram similares em ambos os períodos em termos de perda de produto e de velocidade de recuperação. Entretanto, devido à ocorrência de crises de moeda e, consequentemente, com a transformação dessas em crises gêmeas, a perda de produto e o tempo de recuperação acabam se tornando muito maiores no período atual. Além disso, o câmbio flexível leva ao aumento do contágio, e mais países estão sendo afetados pelas crises nas últimas décadas. Evidencia-se, portanto, o fato de que a escolha atual do trilema, apesar de apresentar resultados similares em termos de desenvolvimento econômico ao de um século atrás, tem causado prejuízos maiores em termos de crises para os países. Essa é a consequência da escolha atual do trilema: mais crises gêmeas, maior perda de produto e mais longo o tempo de recuperação.

Muitos poderiam argumentar que esses impactos são resultado da maior integração econômica e do impressionante desenvolvimento dos mercados financeiros nas últimas décadas. Mas será que esse desenvolvimento também não é resultado da escolha no trilema? Obviamente muitos são os fatores que influenciam a ocorrência de crises, mas é inegável que o trilema é um deles. Apesar de que a escolha atual claramente teve esses impactos negativos, não argumentamos aqui que ela está inteiramente errada; também não defendemos como regra geral a adoção de câmbio fixo ou a implementação de controles de capitais, nem uma mudança radical da escolha do trilema. Queremos destacar que a escolha atual gerou e ainda gera consequências complicadas, e que devemos levá-las mais em consideração. Talvez a dimensão da crise atual seja resultado da escolha feita.

Momentos de crise e de grande turbulência são importantes não apenas para discutir como recuperar as economias mas também para refletir sobre como prevenir a ocorrência de novas crises. Devemos repensar se o sistema adotado é realmente o melhor, e se ele não pode ser aprimorado com base nas lições da história. A escolha atual do trilema é dada como definitiva e imutável por muita gente, mas a história mostra que muitas mudanças já foram feitas, e que elas são possíveis. Não podemos deixar passar a oportunidade de rediscutir a atual escolha em uma época em que a economia mundial deu sinais claros de que ela tem criado sérios problemas. Devemos sempre lembrar que, se existe um trilema, existem escolhas; três, para sermos mais precisos.

Bernardo Stuhlberger Wjuniski é analista da Tendências Consultoria Integrada e Mestre em História Econômica pela London School of Economics (LSE), Reino Unido.

Ramón García Fernández é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP)