Título: Gastos com pessoal afetam caixa de 10 Estados
Autor: Máximo , Luciano
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2010, Especial, p. A14

Pelo menos dez Estados brasileiros estão em situação desconfortável para manter os gastos de pessoal dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em todo o país, 17 das 27 unidades federativas elevaram a relação entre a despesa com pessoal e a receita corrente líquida em 2009, de acordo com informações do Tesouro Nacional. Pela legislação, os Estados podem comprometer até 49% da receita com os funcionários do Poder Executivo, mas o limite prudencial é de 46,55%.

O processo de adequação à lei do piso nacional dos professores da educação básica - adotado em 2008 e que, na virada do ano, sofreu reajuste de 7,86% e passou de R$ 950,00 para R$ 1.024,67 para jornadas de 40 horas semanais - pressionou o desempenho financeiro de alguns governos estaduais no ano passado e continuará a fazê-lo este ano. A área educacional é a que mais consome recursos públicos para salários, chegando a representar de 15% até 40% de todo gasto com folha de um Estado. Outros governos, contudo, cumpriram o piso sem riscos à LRF.

É no Nordeste onde mora o perigo maior de desenquadramento da LRF, fato que pode suscitar punição penal de dirigentes do Executivo e sanções administrativas, como proibição do acesso a recursos federais e internacionais, embora este ano, em função do baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), os governos tenham ganho direito a prazos extras para o reenquadramento nos limites, caso descumpram a regra, como ocorreu com a Paraíba. O Estado entrou no vermelho ao gastar, em 12 meses, R$ 2,237 bilhões com a folha de pagamento dos servidores - mais de 51% dos R$ 4,379 bilhões que entraram no caixa do governo. Rio Grande do Norte (48,61%) e Alagoas (48,59%) também estão na corda bamba, conforme os dados de gestão fiscal mais recentes do Tesouro (de setembro de 2008 a agosto de 2009). Ainda no Nordeste, Bahia (45,46%) e Sergipe (44,60%) estão bem perto do limite recomendado pela legislação. Na região Norte, a situação é parecida no Acre e Amazonas, que, em um ano, gastaram com folha salarial, respectivamente, 46,54% e 46,10% de suas receitas. Minas Gerais (46,49%), Paraná (45,72%) e Goiás (46,69%) também estão perto do nível de tolerância.

No caso da Paraíba, o crescimento da arrecadação não acompanhou o ritmo dos reajustes salariais no serviço público. A despesa com pessoal, de R$ 2,237 bilhões entre agosto de 2008 a setembro de 2009, cresceu 17% em relação aos 12 meses anteriores, quando a relação despesa com pessoal/receita corrente líquida era de 45,33%. Na mesma comparação, a receita do governo cresceu apenas 4,3%. A Secretaria de Planejamento da Paraíba informou que uma das razões para o Estado estar estourado na LRF foi a queda do repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE), do governo federal. Em 2009, o Estado nordestino recebeu aproximadamente R$ 100 milhões a menos que no ano anterior.

Para o secretário da Educação da Paraíba, Francisco de Sales Gaudêncio, o desenquadramento da LRF também está associado ao esforço do governo para elevar o rendimento dos professores da rede pública, de acordo com o valor estipulado pelo piso nacional da categoria. Segundo ele, em janeiro e maio, os docentes tiveram dois aumentos que totalizaram 19%. "Entre os processos de cassação, o antigo governo havia criado mais de 20 planos para aumentar salários em 2009. Isso acabou ficando para a gente, e o governador José Maranhão [PMDB] achou justo priorizar educação, saúde e segurança", explica Gaudêncio.

Há anos enfrentando problemas financeiros, Alagoas é o único Estado do país a usar praticamente 100% dos recursos do Fundeb para pagar os salários dos professores - a lei determina que, no mínimo, 60% do dinheiro do fundo seja destinado à folha do magistério, os outros 40% devem ser investidos em melhorias nas escolas, por exemplo. Os docentes receberam R$ 348 milhões em 2009, pouco mais de 20% de toda a despesa com pessoal do Estado, que atingiu R$ 1,7 bilhão em um ano. Mesmo assim, o Estado conseguiu melhorar ligeiramente o desempenho da conta despesa com pessoal/RCL nos dois períodos de 12 meses observados pelo Tesouro Nacional, caindo de 48,65% para 48,59%.

O secretário da Educação alagoano, Rogério Teófilo, lembra que nos últimos dois anos, pressionado por várias greves, se viu obrigado a elevar o salário do professor em início de carreira para R$ 2.030 (jornada de 40 horas), hoje um dos mais altos do país. Além disso, 35% da força de trabalho vai se aposentar nos próximos meses e o dinheiro sairá da folha de pagamento estadual. "Além do salário, que tivemos de mexer para cumprir a Lei do Piso, quem está se aposentando nos próximos meses não vai para um instituto de previdência e isso complica o Estado na Lei de Responsabilidade Fiscal", explica Teófilo, admitindo que a relação despesa com pessoal/RCL pode extrapolar o limite de 49% em 2010, pressionada pela sua pasta. "O orçamento ainda não foi votado e a Fazenda está calculando os impactos. Alagoas vive da sazonalidade da monocultura da cana-de-açúcar na formação de sua arrecadação", complementa.

No Rio Grande do Norte, a folha de pagamento do setor público cresceu 11% até agosto de 2009, para R$ 2,297 bilhões, ante elevação de 8% da arrecadação, levando a relação entre despesa com pessoal e receita a crescer de 47,28% nos 12 meses anteriores para 48,61% nos 12 meses encerrados em agosto de 2009, se aproximando do limite de 49% da lei. O governo potiguar não informou o peso da educação e da acomodação à Lei do Piso no enquadramento à LRF.

Único Estado da região Sul pressionado por causa de gastos elevados com salários, o Paraná aumentou a folha de pagamento dos servidores públicos em quase R$ 1 bilhão até agosto do ano passado, para R$ 6,792 bilhões, na comparação com os 12 meses imediatamente anteriores. O movimento pressionou a relação gasto com pessoal/receita, colocando o Estado entre os dez piores do país: esse parâmetro subiu de 41,88% para 45,72% no confronto anual, conforme o Tesouro.

O diretor-geral da Secretaria de Educação do Paraná, Ricardo Bezerra, afirma que o cumprimento da Lei do Piso não teve interferência no desempenho financeiro do Estado em relação à LRF, porque o governo Roberto Requião (PMDB) instituiu plano de carreira dos professores em 2004. "Hoje o professor com licenciatura plena em início de carreira recebe R$ 1.906,46. Desde que assumimos [2002], a categoria reivindicava perdas salariais de 96% e nós conseguimos praticamente zerar isso", ressalta. Bezerra reconhece, entretanto, que a folha salarial dos servidores paranaenses da educação é a mais alta entre todas as pastas, chegando a 15% do total de gastos com pessoal do governo. "A folha/mês da educação está em R$ 180 milhões, é a maior do Estado, foram vários concursos desde 2003", completa o diretor.

Haroldo Corrêa Rocha, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), conta que, já em 2008, os Estados adotaram cronograma de aumentos e contratações na área de educação para se antecipar à Lei do Piso, aprovada naquele ano mas em vigor de forma integral a partir de 2010. A estratégia ajudou a evitar grandes impactos fiscais, garante, mas os Estados do Norte e Nordeste e muitos municípios são exceção à regra. "Claro que uma despesa a mais sempre gera algum tipo de necessidade de acomodação, mas os reajustes já eram esperados. Dificuldades há, sobretudo no Norte e Nordeste, onde o padrão de receita é muito menor, mas as dificuldades estão sendo superadas e todo mundo está se adaptando", afirma Rocha.

Já o Ministério da Educação está convicto de que Estados e municípios não terão problemas para pagar o piso. O ministro Fernando Haddad argumenta que o aumento de R$ 5 bilhões para R$ 7 bilhões no repasse da União para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (Fundeb) e a transferência adicional de R$ 1 bilhão para aplicação em merenda e transporte escolares, além da retomada da arrecadação por causa da expectativa de forte crescimento econômico, tornam o aumento salarial "suportável" para o caixa de prefeitos e governadores brasileiros.