Título: Liminares do Supremo livram Estados inadimplentes
Autor: Carvalho , Luiza
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2010, Legislação, p. E1

Uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu em 2007 a inscrição do Rio de Janeiro no cadastro de inadimplentes do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e permitiu que o Estado recebesse as verbas da União para a realização dos Jogos Pan-americanos. Em 2009, uma liminar no mesmo sentido impediu que um programa educacional patrocinado pelo Banco Mundial (Bird) fosse suspenso em Pernambuco. Levantamento da Advocacia-Geral da União (AGU) mostra que se tornou corriqueira a ida dos Estados ao Supremo para suspender inscrições no Siafi. Desde 2006, cerca de 150 ações foram ajuizadas e, na maioria dos casos, os ministros concederam as liminares requeridas. Não houve ainda julgamento de mérito de nenhum desses processos.

A AGU trabalha para que o Supremo decida ainda este ano o mérito da questão. O Siafi foi previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal - a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 -, que disciplina as chamadas transferências voluntárias da União para os Estados e destes para os municípios, ou seja, aquelas transferências que não decorrem de lei ou da Constituição Federal. Ocorre que, para receber as verbas, os Estados devem cumprir algumas exigências. A principal delas é estar em dia com as obrigações com a União. Isso inclui todos os órgãos do Estado, incluindo a administração indireta. Os governos estaduais devem estar em dia com a prestação de contas de recursos recebidos e comprovar que cumprem os percentuais estabelecidos pela Constituição para a aplicação de verbas em saúde e educação. Caso não cumpram essas regras, são inscritos no Cadastro Único de Convênio (Cauc), um subsistema do Siaf, criado em 2001.

Para obter as liminares, os Estados alegam que as inscrições geram a suspensão do repasse de verbas da União ou de organismos internacionais. E que essas inscrições são feitas sem notificação prévia. "A União entende que não é preciso avisar antes. As informações do Siafi estão disponíveis na internet", diz o secretário-geral de contencioso substituto da AGU, Altair Roberto de Lima. Segundo ele, o órgão está coletando o máximo de informações e provas junto ao Tesouro Nacional para que algumas liminares sejam revogadas pelo plenário do Supremo.

De acordo com o professor e advogado Luis Roberto Barroso, do escritório Luis Roberto Barroso & Associados, trata-se de um problema federativo, pois todos os Estados, segundo ele, estariam mais ou menos insolventes, e não arrecadam o suficiente para pagar as suas próprias obrigações. Na opinião do professor Barroso, ainda que a dívida dos Estados fosse "zerada", após um ano eles estariam endividados novamente. "É preciso reequacionar a repartição de recursos e encargos", diz Barroso, que no ano passado auxiliou com um parecer para o Estado do Rio de Janeiro na obtenção de uma liminar no Supremo. Neste caso, discutia-se uma inscrição gerada por uma dívida do Estado com o INSS.

"Em 2007, vivemos um pesadelo no Estado", diz o sub-procurador do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Mascarenhas. Naquele ano, segundo o procurador, as verbas para os jogos Pan-americanos foram bloqueadas devido a inscrições no Cauc. "Na última hora, obtivemos liminares para liberar a verba." O procurador lembra de outras situações difíceis como, por exemplo, quando o Estado foi inscrito por não ter demonstrado a finalização de uma obra em uma penitenciária. "Quando a obra estava quase pronta, houve uma rebelião e o presídio foi todo destruído. Mas a União não aceitou justificativas", afirma. Por causa desses problemas, o Estado do Rio criou um órgão para monitorar os convênios com a União. "Atualmente, não temos nenhuma inscrição. E as que tivemos estão suspensas por liminares."

O problema se repete em quase todos os estados brasileiros. O Estado do Maranhão obteve uma liminar no Supremo no dia 31 de dezembro e conseguiu liberar verbas da União para programas sociais e de agricultura familiar. "Por ser um dos Estados mais pobres, o Maranhão depende das verbas da União para as políticas públicas", diz o procurador do Estado do Maranhão, Miguel Ribeiro. A inscrição se deu por falta de documentos na prestação de contas de convênios anteriores. De acordo com Ribeiro, o Estado defendeu na Justiça que a responsabilidade seria da gestão anterior.

Em outubro passado, o Estado de Pernambuco obteve uma liminar similar no Supremo, alegando que a inscrição causou a suspensão de um empréstimo do Bird para um programa educacional. Segundo o procurador do Estado de Pernambuco, Sérgio Augusto, foram obtidas pelo menos sete liminares nos últimos quatro anos. Na última inscrição, segundo ele, a União alegou que o Estado teria aplicado indevidamente as verbas destinadas à duplicação de uma rodovia federal.