Título: Mulheres entram para a alta roda do mundo das finanças
Autor: Belo, Eduardo
Fonte: Valor Econômico, 18/01/2010, Finanças, p. C8

Uma grande empresa brasileira recorreu aos serviços de um "headhunter" para contratar um diretor administrativo-financeiro com comando sobre as áreas de tesouraria, controladoria, TI, recursos humanos e departamento jurídico. Seleção feita e candidatos apresentados, chegaram à final três executivos experientes: um homem e duas mulheres. Dez anos atrás, tal cena seria impensável até para o responsável pela seleção, o consultor Francisco Ramirez, headhunter especializado na contratação de executivos de elevado escalão. "Dos altos executivos que eu ajudei a selecionar em 2009, cinco ou seis casos, duas mulheres foram contratadas para cargos muito importantes", diz Ramirez. "Além disso, fiz várias posições de finanças (diretoria, controladoria, tesouraria, CFO, administração financeira) em bancos e indústrias, com várias candidatas femininas muito fortes."

Impedido de falar o nome dos profissionais e das empresas por cláusulas de sigilo, o headhunter sabe que, mesmo que na disputa com duas mulheres que está prestes a se decidir o homem saia vencedor, a chegada das concorrentes à fase final da seleção representa um sinal dos tempos. Um número crescente de mulheres tem disputado o topo da pirâmide nas carreiras de finanças, com várias delas alcançando as posições mais destacadas.

Os casos são muitos. Só em 2009, várias empresas reforçaram o time de mulheres nas funções de comando ligadas às finanças. A Ideiasnet, por exemplo, contratou Alexandra de Haan como diretora financeira em agosto. Economista formada em Georgetown, nos EUA, Alexandra vem de passagens pelo ABN AMRO e pelo Lehman Brothers, entre outros. Mônica Beckert assumiu a direção financeira do grupo Volvo no Brasil, depois de 24 anos na empresa, onde construiu uma carreira nas funções de analista de produção, de projetos e gerente de planejamento.

A mulher está aparecendo mais por questões culturais, arrisca Luciana Medeiros von Adamek, sócia e diretora da área de consultoria da PricewaterhouseCoopers. Antes a mulher abandonava a carreira para ter filhos. Isso não acontece mais e está permitindo às candidatas mais dedicadas avançar, diz.

Coordenadora do Ibef Mulher, iniciativa do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo com a finalidade óbvia de trazer as profissionais de finanças para o primeiro plano da carreira e da vida econômica e social, Luciana atenta para o fato de que, embora crescente, a visibilidade das mulheres como executivas de finanças ainda é pequena.

Com cerca de 1.200 associados, o Ibef tinha apenas 69 mulheres até a metade de 2009. A própria Luciana começou a participar da entidade em 2003, embora trabalhe na área - aliás, na mesma PwC - há 15 anos. A criação do Ibef Mulher, em julho, conseguiu arregimentar mais profissionais. No fim do ano, já eram cerca de cem mulheres a participar do Ibef, ainda menos de 9% do contingente total.

Guardadas as proporções, são números parecidos com os dos Estados Unidos. Segundo a edição de agosto da revista americana "CFO Magazine", voltada para executivos de finanças, em 1995 apenas dez mulheres ocupavam alguma chefia de finanças nas maiores companhias dos EUA, de acordo com a "Fortune 500". No ano passado, o número subiu para 44, o que dá os mesmos de 9%.

Um número que não corresponde à proporção de profissionais do sexo feminino no mercado brasileiro. "Eu diria que a mulher, na carreira de finanças, inclusive entre os altos executivos, está em condições de igualdade com os homens, com participação de 50% ou muito próximo disso", comenta Ramirez.

Formada em administração pelo Mackenzie, Luciana fugiu à influência quase determinista da família para fazer o que gosta. Com pai dentista e três irmãs atuando na área de saúde, ela conta que já chegou à faculdade decidida a trilhar o caminho que a levou a se tornar sócia na PwC. No curso de administração, lembra, apenas 35% dos alunos eram mulheres.

O cenário se inverteu, as mulheres passaram a ser maioria nas universidades e, por conseguinte, agora ocupam os postos disponíveis do mercado de trabalho. A proporção de mulheres no ensino superior tem crescido em todos os cursos. Dados do IBGE de 2008 indicam que o sexo feminino já representa mais de 57% dos alunos matriculados nas faculdades.

As mulheres estão estudando mais que os homens. "Não só nos cursos de graduação, mas também na pós", observa Ramirez, que é também professor na pós-graduação do Insper (ex-Ibmec SP). "No Insper eu vejo muitas mulheres, um contingente cada vez maior, buscando pós com foco em finanças", afirma. Mas não só. Outras carreiras tradicionalmente consideradas o clube do bolinha, como engenharia, têm despertado interesse crescente entre as mulheres, revela o consultor.

"Da quantidade surge a qualidade", endossa Maria José Cury, também sócia da PwC, onde entrou como trainee. Como o número de mulheres estudando é maior que o de homens, é de se esperar que surjam boas profissionais em número maior também, argumenta. Para ela, o maior número de mulheres nas universidades e nos cursos de pós-graduação é um fenômeno que pode ter sido produzido tanto pela necessidade - do mercado e dos profissionais - quanto pela oportunidade, mas é "coisa das novas gerações".

Afora a capacidade pessoal de cada um, três fatores têm contribuído para o sucesso de uma parcela maior de mulheres: formação sólida, tratamento igualitário nas empresas e treinamento constante. O headhunter Francisco Ramirez considera o tratamento isonômico o mais importante dos três.

Segundo ele, as empresas perceberam que era preciso optar pelos melhores profissionais, aqueles que trazem os melhores resultados, não importando sexo, cor da pele e outras características e preferências meramente pessoais . "Nas boas empresas, naquelas que estão interessadas em qualidade e produtividade, a diferença entre os sexos é zero", comenta. "Assim como é zero em relação à cor da pele e outras características. Elas querem quem dá mais retorno."

Esse cenário abriu oportunidades para as mulheres mais competentes - e também para alguns homens não enquadrados nos padrões anteriores - e tirou do primeiro plano profissionais medíocres que se escoravam em aspectos não exatamente essenciais para ocupar os melhores postos. "As empresas que fizeram isso colheram e continuam colhendo muito bons resultados", afirma o consultor. "Elas querem ter sucesso. Para isso, precisam dos melhores profissionais, não importando se são homens ou mulheres", concorda Regina Nunes, presidente da Standard & Poor"s no Brasil. Ela é contra "a diversidade pela diversidade" e acredita que o mercado de trabalho hoje é mais leal por oferecer oportunidades iguais e premiar quem se sobressai.

Aliado a tudo isso está a "descoberta" pelo público feminino dessas carreiras antes tão ligadas à figura do homem. "Apesar de muito relacionadas a matemática e estatística, são áreas de humanas, com as quais as mulheres têm afinidade", define Maria José. Ela própria é uma das que entrou na carreira por opção. "Eu estudei ciências econômicas na PUC porque eu gostava de matemática e história. Decidi trabalhar na empresa de auditoria e consultoria porque isso me dava a oportunidade de conhecer empresas de setores diferentes (indústria, varejo, serviços) e conhecer diferentes áreas dentro dessas empresas", conta. "Aí me encantei com essa área e fiz ciências contábeis, para complementar".

Entrou na PwC como trainee e está na empresa há 21 anos. Cresceu na carreira, tornou-se sócia e viu outras mulheres ascenderem a seu lado. "Quando eu entrei na Price, eram duas ou três sócias apenas. Hoje somos 17."

Se Maria José é um caso de escolha planejada, o mesmo não se pode dizer da presidente da S&P. Regina Nunes ingressou nesse mundo levada pelas circunstâncias. Costuma dizer que entrou na faculdade de administração - e não de economia - por entender que não tinha "nenhum talento específico". Lá conheceu, namorou e mais tarde se casou com o colega Celso Nunes, que pouco depois começou a trabalhar na área financeira, no Citibank. "Gostei muito quando vi o que era", revela.

Também influenciada por Celso, que havia sido auditor, Regina decidiu dar uma olhada na área de análise de risco de crédito. Achou que não encontraria nada melhor: "Gosto muito de estudar e ler e isso é o que você mais faz nessa área". Foi contratada pelo Citi, tornando-se uma das pioneiras do segmento, no Brasil. Passou pelo Chase Manhattan Bank, foi para Nova York e Porto Rico, criou sua própria consultoria e em 2000 a fechou para assumir o comando da S&P.

Para ela, a ascensão das mulheres se deve à mudança de mentalidade do mercado. No esforço para manter seus talentos, diz, as grandes companhias cada vez mais oferecem facilidades para seus profissionais, o que representa uma ajuda e um incentivo grandes para as mulheres, sobretudo as que já são mães e têm de enfrentar parte das obrigações domésticas.