Título: Governo Obama passa no duro teste da realidade
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Fonte: Valor Econômico, 19/01/2010, Opinião, p. A10

Nenhum político invejaria a sorte do presidente americano Barack Obama. Às voltas com guerras no Afeganistão e no Iraque e um marcado sentimento antiamericano ao redor do mundo, Obama ainda teve de enfrentar a maior crise econômica da história americana desde os anos 1930. Apesar de ter tudo contra si, Obama conseguiu retirar a economia dos EUA da beira do abismo e liquidar uma fatura de quatro décadas, ao conseguir uma reforma do sistema de saúde do país. Na arena externa, os EUA se inclinaram claramente para o multilateralismo. Diante de circunstâncias tão adversas, Obama passou no teste de realidade em seu primeiro ano de governo, que se completa amanhã.

Apesar dos trunfos inquestionáveis, as pesquisas apontam uma queda muito significativa de sua popularidade, dos 70% quando assumiu o posto para a casa dos 50% agora. Uma das razões evidentes para isso é a crise econômica, que continuará a fazer estragos na vida dos americanos até que o desemprego volte a recuar. A taxa de desocupação dobrou com a crise e atingiu 10% (mais de 15 milhões de pessoas). Com tanta gente sem emprego, só por milagre um incumbente sustentaria o seu prestígio. Embora o presidente tenha feito a coisa certa na maior parte do tempo, ele se tornou alvo de um fogo cerrado vindo de suas próprias hostes democratas e da oposição.

A esquerda democrata se decepcionou com as ações conciliadoras de Obama em relação aos bancos, quando esperavam intervenções mais decisivas, especialmente na questão dos bônus milionários que continuam a ser pagos. Os republicanos ressuscitaram um credo para cobrir seu oportunismo. A luta contra o Estado grande e o déficit público tem fortalecido o partido, que tem atuado como um só homem para barrar toda e qualquer iniciativa de Obama. A posição de Obama é corretamente pragmática. O Estado tornou-se mais forte porque os bancos quase quebraram o país e a montanha de US$ 787 bilhões necessária para reconstruí-lo só poderia produzir um enorme rombo no orçamento do país. Se havia outra saída, nenhum republicano a apresentou.

A percepção econômica é determinante na avaliação da popularidade de Obama, que pode se recuperar à medida que a economia o faça. Os acertos do plano de combate à crise tornaram-se menos visíveis diante das várias e duras frentes de batalha abertas pelo governo no Congresso. A reforma do sistema de saúde, já aprovada pela Câmara e Senado, que agora terão de conciliar seus projetos, consumiu grande parte da energia e do tempo de Obama. Ela tornará acessíveis planos de saúde para cerca de 35 milhões de americanos que não o têm, mas seus efeitos imediatos serão entregar ao Tesouro uma fatura de quase US$ 1 trilhão em dez anos e elevar os impostos dos mais ricos para cobri-la. E falar em mais gastos e mais déficit quando eles estão no maior nível desde a Segunda Guerra não parece sábio, mas, nesse ponto, Obama está prestes a cumprir uma de suas principais promessas de campanha.

Na frente externa, Obama mostrou-se aberto ao diálogo com adversários como Cuba, Irã, Coreia do Norte e Rússia, sem que seu esforço tenha rendido grandes frutos até agora. Colocou um prazo para a saída das tropas americanas do Iraque e ampliou o esforço militar no Afeganistão, decepcionando a ala pacifista democrata. Obama hesitou nessas questões e só tomou suas decisões na última hora. No combate ao aquecimento global, Obama teve as mãos amarradas pelo Senado, que avalia nova legislação ambiental, e foi uma das causas da amargura de ambientalistas em Copenhague.

As intenções de Obama são uma coisa e a realidade, outra. Nos EUA os presidentes são controlados pelo Congresso, ao contrário do que ocorre em vários países ao sul do Equador. Tudo tem de ser exaustivamente discutido e negociado. Obama propôs o fim do "partidarismo" e um governo de todos, mas teve de enfrentar o tempo todo a aliança de democratas de centro com a barreira monolítica dos republicanos. Muitos analistas criticam Obama por não ter falado mais duramente com os líderes democratas para que aprovassem seus projetos. Os críticos têm boa dose de razão e o tempo corre contra Obama. Do jeito que as coisas estão hoje, tudo indica que os republicanos poderão retomar a maioria no Senado. Não é o fim do mundo, e sim mais um grande desafio para o presidente.