Título: Planalto rejeita paralelo entre a eleição no Chile e candidatura de Dilma
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2010, Especial, p. A12
Uma "relação privilegiada" com o Brasil foi o desejo manifestado pelo presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, na conversa com o Luiz Inácio Lula da Silva em novembro, em Brasília. Na campanha eleitoral, Piñera elogiou o governo brasileiro, anunciou o apoio à candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e definiu Lula como "modelo de liderança". Passada a eleição, porém, o governo brasileiro confessa não ter ideia ainda do que esperar do novo líder chileno.
Segundo um dos principais assessores de Lula, espera-se uma relacão "fluida" com o futuro governo chileno. Segundo um experiente diplomata, não é certo que Piñera adote uma política de confronto com os líderes mais à esquerda na região, como o venezuelano Hugo Chávez. Para o especialista, o Chile poderá retornar à antiga atitude de isolamento em relação à vizinhança e prioridade para a região da Ásia e do Pacífico, com quem o governo de Michelle Bachelet já estreitou laços comerciais.
A saída de Bachelet representa para Brasília a perda de um aliado na tentativa de estruturar a Unasul (União das Nações da América do Sul), com um Conselho de Defesa e um de combate ao narcotráfico. Bachelet, moderada de esquerda, foi acionada e assumiu a presidência da Unasul quando a crise entre Colômbia e Equador impediu a transmissão da presidência dos colombianos aos equatorianos. Com Piñera, claramente identificado com o grupo mais à direita dos governos sul-americanos, elimina-se uma opção moderada de esquerda nas discussões regionais.
Do ponto de vista comercial não se preveem mudanças, já que as negociações internacionais nesse campo estão paradas, e também porque o Chile sob o governo da Concertación já se alinhava com as posições mais liberais em matéria de comércio. O país tem acordo de livre comércio até com a China.
Assessores próximos a Lula rejeitam a comparação entre a campanha eleitoral brasileira e o que houve no Chile, onde uma presidente popular (com aprovação de 80%) foi incapaz de eleger o sucessor, como Lula tenta fazer com a ministra Dilma Rousseff.
Segundo eles, Bachelet, dentro da tradição chilena, não fez campanha aberta pelo seu candidato, Eduardo Frei, e só se manifestou a favor dele na reta final da campanha, o que foi mal recebido por parte da opinião pública. Além disso, a candidatura Frei, um democrata-cristão, sofreu com a divisão nas esquerdas. Parte do eleitorado de esquerda não votou nele.
A longa permanência da coalizão no poder, 20 anos, foi outro fator de desgaste. Além disso, segundo uma autoridade brasileira que conhece os assuntos chilenos, não havia, na gestão de Bachelet, uma identificação do governo com a melhoria de condição de vida das camadas mais pobres da população como existe no Brasil com os programas sociais, o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo.
Ainda assim, políticos brasileiros fizeram essa leitura ontem. O secretário-geral do PSB, senador Renato Casagrande (ES), cujo partido tenta viabilizar a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) à Presidência, avalia que o resultado no Chile deve servir de alerta às lideranças políticas do Brasil. Ele acha que a transferência de votos não é automática e que o eleitor é movido pela expectativa do que vai conquistar e não pelas conquistas passadas. "Uma lição que podemos tirar é que um candidato tem que ofertar para a população brasileira o futuro, não o passado."
O presidente eleito do PT, José Eduardo Dutra, deu outra explicação para a dificuldade de transferência de votos de Bachelet a Frei. Para ele, o fato de Frei ter presidido o Chile e deixado o cargo com baixa aprovação, constituiu "fator inibidor". "A transferência de voto não é automática em situação alguma, mas fica ainda mais complicada quando o candidato já foi presidente da República", diz.