Título: Antichavista, Piñera muda o tom conciliador chileno
Autor: Uchoa , Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 19/01/2010, Especial, p. A12

Sebastián Piñera ganhou a eleição presidencial no Chile e imediatamente assumiu um papel mais amplo na América do Sul: porta-voz do antichavismo. Para ele, não há democracia de fato no país governado por Hugo Chávez; e Cuba, um dos principais aliados do chavismo, não passa de uma ditadura.

No lado político, Piñera sinaliza uma posição mais forte nos assuntos da América do Sul, divergindo do tom apaziguador da atual presidente, Michelle Bachelet.

No lado econômico, analistas dizem que a tendência do Chile deve ser priorizar seus parceiros comerciais mais importantes, como EUA e os países asiáticos, em detrimento dos vizinhos sul-americanos - o que não muda muito o atual estado de coisas.

Piñera disse não ver problema nenhum nos acordos militares entre Colômbia e EUA, que preveem o aumento da presença militar americana no país sul-americano. O caso é um dos principais cavalos de batalha de Chávez, que acusa Washington de planejar uma invasão da Venezuela com o apoio do presidente colombiano, Alvaro Uribe. Declarações de Piñera deixam claro de que lado ele ficará.

"Piñera deve priorizar sua aliança estratégica com os EUA, tanto do lado político quanto do lado econômico", disse José Jara, diretor da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) no Chile.

Com a Bolívia, que reivindica uma saída para o mar por território chileno, Piñera também promete ser mais duro do que vinha sendo a Concertación. O presidente eleito disse que os portos do Chile estão à disposição dos bolivianos, mas afirmou que a soberania desses portos jamais entrará em negociação. A Bolívia perdeu a saída para o mar num conflito militar no fim do Século XIX. A questão afeta a relação entre os dois países.

Na economia, Piñera já havia dito que daria atenção especial às relações com EUA, países asiáticos e Europa, com os quais o Chile tem tratados de livre comércio. A tendência é que a relação com a China continue sua trajetória ascendente. Piñera deve manter o país fora do Mercosul, visto pelos chilenos como um bloco protecionista.

Desde o primeiro semestre do ano passado, a China se tornou o principal parceiro comercial do Chile: cerca de 21% das exportações chilenas têm o país asiático como destino e cerca de 15% de suas importações vem de lá. As exportações chilenas para a China subiram gradualmente de US$ 4,3 bilhões, em 2005, para US$ 9,8 bilhões, em 2009. As importações, de US$ 2,5 bilhões para US$ 5,5 bilhões no mesmo período.

O cobre responde por mais de 80% das vendas chilenas à China. Nas importações, predominam produtos de alto valor agregado, como computadores e celulares.

Se Coreia do Sul e Japão forem adicionados à conta, a Ásia passa a representar quase 35% das relações comerciais chilenas.

Em Santiago está se tornando cada vez mais comum ver nas ruas carros coreanos e caminhões e vans chinesas. Uma picape média da sul-coreana Ssangyong tornou-se recentemente o carro mais vendido em sua categoria no país.

Já os EUA estão em um segundo lugar no ranking individual de parceiros comerciais, comprando quase 14%.das exportações chilenas e suprindo o país com cerca de 15% de suas importações. Dos americanos, os chilenos importam principalmente bens de capital.

"Isso [a concentração nos principais parceiros comerciais] já não tendia a mudar. Com a eleição de Piñera, essa tendência deve até se aprofundar", disse Jara.

O Brasil, apesar de figurar como um dos principais destinos dos investimentos privados chilenos, continua bem atrás no ranking de parceiros comerciais do país andino, em 7º lugar.

Uma da principais negociações entre os dois países nos últimos tempos foi a compra de 12 aviões militares Super-Tucanos, da Embraer, por parte da Força Aérea Chilena, sendo que 4 deles foram entregues no mês passado. Outra área importante deve ser a de compra de carne brasileira - desde meados do ano passado o Chile levantou parcialmente o embargo à compra de carnes do Brasil e vem estudando ampliar a medida.

"[Aumentar a relação comercial com o Brasil] não é um tema que emocione muito os políticos da direita. Para eles, Piñera está no caminho certo ao acenar para uma relação ainda maior com a China e os EUA", disse um diplomata sul-americano baseado em Santiago.

Essa satisfação com os rumos propostos por Piñera pode ser medida também pela reação dos mercados ontem no Chile. A Bolsa de Santiago operou em alta. Uma das ações entre as de performance mais representativas chamou a atenção: a Axxion subiu quase 15% em um dia.

A Axxion é a holding que administra os investimentos de Piñera, incluindo a sua participação na empresa aérea LAN.