Título: Investimento estrangeiro ameniza vulnerabilidades
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/01/2010, Opinião, p. A10

O forte fluxo de capital estrangeiro para o Brasil foi determinante para o mercado financeiro absorver sem maiores ruídos a redução do saldo da balança comercial em 2009 e digerir a perspectiva de números ainda mais acanhados em 2010, com consequente deterioração da conta de transações correntes.

O capital externo está financiando o aumento do consumo brasileiro e as importações necessárias para o crescimento econômico do país. Esse modelo de equilíbrio de contas, bastante incomum para os padrões brasileiros, passou a ser visto com benevolência até pelos papas da ortodoxia econômica no atual cenário de crise internacional. Déficits comerciais e em conta corrente nos mercados emergentes ajudam as economias desenvolvidas a se recuperarem.

O Banco Central (BC) revelou nesta semana que o Brasil registrou em 2009 o terceiro maior fluxo de capital externo da sua história. O ingresso líquido de capital externo no país, descontadas as saídas, foi de US$ 28,7 bilhões, marca só superada pelos números de 2006, com perto de US$ 40 bilhões, e pelo pico de 2007, de US$ 87,454 bilhões. Com o estouro da crise, em 2008, o saldo foi de apenas US$ 983 milhões.

Ao contrário do que ocorreu em anos anteriores, quando o comércio exterior garantiu a maior parte do saldo cambial, desta vez foi o capital financeiro que engordou a conta. O fluxo financeiro engloba as operações com capitais (investimentos direto, em bolsa, renda fixa e empréstimos) e serviços (turismo, pagamento de juros e remessa de lucros).

As operações financeiras, notadamente investimentos estrangeiros, responderam por dois terços do saldo cambial histórico de 2009, ou seja, US$ 18,8 bilhões. Foi a maior marca para um ano fechado desde o início da série histórica, em 1982. Foi decisivo para o resultado de 2009 a oferta de ações feita pelo Santander em outubro, mês em que a entrada de recursos externos somou US$ 14,6 bilhões.

Já o fluxo cambial gerado pelo movimento comercial (exportação e importações) foi de apenas US$ 9,9 bilhões, contribuição ínfima em comparação com os anos anteriores. Em 2006, o saldo cambial resultado das operações comerciais foi de US$ 57,6 bilhões e, em 2007, de US$ 76,7 bilhões. Em 2008, mesmo com a crise internacional, atingiu um patamar significativo de US$ 47,9 bilhões, quase cinco vezes o registrado em 2009.

Os dados mais recentes do balanço de pagamentos confirmam a tendência. Neste ano até novembro, o Brasil registrou déficit em conta corrente de US$ 18,1 bilhões, apesar do saldo comercial de US$ 25,2 bilhões. Mas o resultado global do balanço de pagamentos ficou positivo em US$ 42,2 bilhões, favorecido por investimentos estrangeiros diretos de US$ 26,7 bilhões e em carteira de US$ 43,8 bilhões.

Atraído pela boa resposta da economia brasileira dentro do clima internacional de debacle de 2009 e, principalmente, pelas boas promessas para este ano, o capital estrangeiro buscou alternativas no país.

Mas o Brasil não deve confiar na manutenção desses fluxos de capital pela eternidade. O principal risco da manutenção de déficits externos elevados por um longo período é a vulnerabilidade a uma eventual interrupção dos fluxos estrangeiros, o que pode levar a uma crise cambial e comprometer o ciclo de crescimento econômico que o país experimenta. Afinal, o cenário internacional continua instável. A saída dessa armadilha confortável é o desenvolvimento da poupança interna, de modo a reduzir a dependência dos investimentos externos para crescer.

A carta na manga do Brasil é a significativa melhoria do passivo externo observada desde o Plano Real. Ao longo desses anos, o país passou a depender menos dos empréstimos e a contar mais com investimentos diretos e indiretos. Trocou a dependência de credores pelo dinheiro de sócios. Ao fim de novembro, os investimentos estrangeiros diretos e na compra de ações representavam 72% do passivo externo total de US$ 1,025 trilhão. Em dezembro de 1995, o percentual era de 29% do passivo externo total, então de US$ 224,8 bilhões. Só a participação do investimento estrangeiro direto, incluindo empréstimos intercompanhias, saiu de 22% para 38% do passivo total. O salto maior foi do investimento em ações, que passou de 7% a 34%.