Título: Argentina e Paraguai criticam desequilíbrios do Mercosul
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2009, Brasil, p. A5

Sem nenhum avanço para registrar na agenda comercial, a 38ª reunião de cúpula do Mercosul terminou ontem com críticas da Argentina e do Paraguai à paralisia e aos desequilíbrios do bloco, o que foi interpretado pela própria diplomacia brasileira como um recado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A presidente Cristina Kirchner deixou curiosamente de lado a disputa histórica com o Brasil pela liderança na região e colocou a Argentina na condição de parceiro menor do Mercosul. Ela propôs uma discussão "sem estridências e sem falsos patriotismos" entre os sócios do bloco sobre protecionismo, lembrando que não basta falar de tarifas de importação, mas também de subsídios e de medidas aduaneiras. Era uma alusão à aplicação pelo Brasil de licenças não automáticas de importação a produtos argentinos. Na verdade, foi apenas uma resposta do governo brasileiro à similar medida adotada pelo lado argentino.

Cristina disse que este é o momento de debater os desequilíbrios do Mercosul "simplesmente analisando os números de suas economias e os termos de intercâmbio". Lembrou, para isso, a União Europeia. "O grande peso (da integração) foi carregado pela Alemanha. Não porque os alemães eram mais europeus do que os outros, mas porque o tamanho da sua economia e o peso do seu capital permitiram que as demais nações tivessem a possibilidade de incorporar infraestrutura e desenvolver um potente comércio intrazona."

As mesmas queixas já haviam sido feitas pelo presidente do Paraguai, Fernando Lugo, durante sua intervenção na mesa dos chefes de Estado. Ele criticou a "agenda defensiva e protecionista" adotada pelos países do Mercosul como resposta à recessão global, sem diferenciar entre medidas brasileiras e argentinas. "Em vez de buscarmos juntos sinergias a nossas economias, como forma de atenuar a crise, implementaram-se várias medidas contrárias à integração regional", afirmou o presidente.

Lugo disse que as vendas de produtos paraguaios aos sócios do Mercosul caíram 32% neste ano e a balança comercial acumula déficit de US$ 600 milhões até setembro. "Pior ainda: mais de 90% das nossas exportações são de produtos de muito baixo valor agregado, com todas as consequências disso, como baixa geração de renda, de empregos e de impostos", observou.

Lula, que ficou menos de dez horas em Montevidéu e deixou a cidade sem falar com a imprensa, fez o discurso mais rápido entre os presidentes. Ele antecipou sua volta a Brasília e preferiu pular o almoço dos chefes de Estado, que aproveitaram para se despedir do uruguaio Tabaré Vázquez, cujo mandato de cinco anos termina em 1º de março.

O presidente apenas destacou a recuperação da economia brasileira e compartilhou, com seus colegas, uma previsão de que o PIB crescerá "mais de 5%" em 2010. Lula disse ainda que "o Mercosul precisa ser mais ouvido" nas reuniões do G-20 e prometeu levar uma posição comum do bloco aos próximos encontros do grupo. "Fica cada vez mais evidente que os países em desenvolvimento são hoje o motor da recuperação mundial."

De concreto, no entanto, os resultados foram desprezíveis. As únicas decisões comerciais foram de caráter protecionista: aumentaram as alíquotas de importação para produtos como lácteos e têxteis. Além disso, os países do Mercosul decidiram adiar em um ano, de 2010 para 2011, o fim das listas de exceção à Tarifa Externa Comum (TEC).

Temas espinhosos, como o Código Aduaneiro do Mercosul ou a dupla cobrança das tarifas de importação para produtos de terceiros mercados que circulam dentro do próprio bloco, sequer foram tratados. Negociadores brasileiros penavam, sem sucesso, para convencer o Paraguai a aceitar tratamento especial do Mercosul a produtos têxteis do Haiti. E a Argentina continuou vetando o uso de recursos do Focem, o fundo estrutural do bloco irrigado com verba brasileira, para financiar uma nova linha de transmissão e reforçar a interconexão elétrica entre o Brasil e o Uruguai. Enquanto isso, na carência de projetos aprovados, o Focem vai acumulando recursos e terá mais de US$ 500 milhões em 2010, segundo Lula.

Sobrou uma vaga promessa de avançar nas negociações, estancadas desde 2005, para um acordo de livre comércio com a União Europeia. "Vamos reiniciar as negociações muito rapidamente", prometeu Vázquez, ao entregar a presidência pro-tempore do Mercosul para a Argentina. "Há que se começar revisando e assinando os capítulos em que já temos acordos", completou Cristina Kirchner, para depois "passar aos assuntos em que temos diferenças". Apesar da proclamada intenção, ninguém mencionou que a UE apontava, entre outras coisas, a falta de padronização das regras alfandegárias e a dupla cobrança da TEC como obstáculos.