Título: Câmara aprova projeto da partilha
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2009, Política, p. A7

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou ontem, em votação simbólica, o texto básico do projeto de lei que institui o sistema de partilha de produção como modelo de exploração do petróleo da área do pré-sal. A votação foi realizada às 22h, após dois dias de obstrução da oposição. O governo manteve a base aliada mobilizada para tentar votar os destaques, que ainda poderiam mudar o texto.

O projeto que trata do modelo de exploração é a espinha dorsal do marco regulatório do setor. Ele estabelece as regras do sistema, pelo qual a empresa petrolífera assume os riscos das operações exploratórias e é reembolsada em óleo, produto que pertence à União - ao contrário do que ocorre no modelo hoje em vigor (concessão). Na partilha, o excedente será repartido entre União e empresa contratada, conforme regras previstas no contrato.

A discussão sobre o modelo foi ofuscada pela disputa dos royalties esperados com a exploração das novas reservas petrolíferas. A proximidade das eleições dificultou a votação, por acirrar a disputa federativa. Pressionado por governadores e deputados da própria base aliada, o governo federal cedeu para Estados e municípios não produtores boa parte de sua arrecadação com a exploração do petróleo do pré-sal dos campos já concedidos e dos que ainda serão licitados.

Os maiores vitoriosos, até agora, foram os Estados não produtores, principalmente os do Nordeste, cujos governadores e bancadas na Câmara se mobilizaram para ampliar a participação na receita do pré-sal.

DEM e PSDB, contrários à adoção do sistema de partilha - por considerar que o modelo concentra riqueza com a União -, obstruíram as votações. Lançaram mão de procedimentos regimentais, como requerimentos (de adiamento de discussão e retirada de pauta, entre outras coisas) e pedidos de votação nominal. Os governistas tentaram trazer para o plenário o debate ideológico, acusando a oposição de estar defendendo os interesses de empresas privadas.

Mas o que mobilizou mesmo os deputados foi a divisão da riqueza esperada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de aceitar a mudança nas regras de distribuição dos royalties. Foi o relator, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que, pressionado por parlamentares e governadores do Nordeste, especialmente, decidiu alterar o projeto original do governo para mudar a distribuição dos royalties dos campos ainda não licitados.

O objetivo era proporcionar repartição mais equânime dos recursos, já que, pela legislação atual, os Estados e municípios produtores e confrontantes (cujo litoral está defronte de reservas petrolíferas) concentram a quase totalidade de recursos.

A primeira proposta do relator destinou a Estados e municípios não produtores - que hoje têm direito a uma parcela insignificante de um fundo constituído com 8,75% dos royalties - um bolo bem maior: 22% só para Estados e 22% só para municípios. A União também abriu mão de 10% da arrecadação com bônus de assinatura (pagamento devido pela empresa, no ato do contrato), também destinados a Estados e municípios não produtores.

Os governadores do Nordeste não ficaram satisfeitos. Argumentando não haver previsão de quando o pré-sal não licitado começará a render, pressionaram o relator a alterar, também, a distribuição dos recursos que resultarão da exploração dos campos que já foram licitados (pelo modelo de concessão e não da partilha) - 28% de todo o pré-sal - que devem começar a produzir em 2010.

A pressão surtiu efeito. A reivindicação dos Estados do Nordeste provocou reação irada do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). Criticou o colega de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que liderou o movimento do Nordeste, e se queixou de tentarm "roubar" o seu Estado.

A queda-de-braço envolveu o presidente e ministros. Após várias rodadas de negociação, a União cedeu mais uma vez. Abriu mão de 10 pontos percentuais de sua receita de royalties do pré-sal já licitado. O relator também reduziu a parte destinada à União com os recursos da participação especial (PE) - compensação financeira que só existe no modelo de concessão.

Cabral também obteve ganhos com sua pressão. No acordo feito às pressas, no plenário, na terça-feira, o relator reduziu as perdas que os municípios produtores teriam com a mexida inicial. Mesmo com tanta negociação, nem todos ficaram satisfeitos. Parlamentares de Estados não produtores dizem que a concentração da riqueza do pré-sal ainda continua, já que Rio, Espírito Santo e São Paulo continuam tendo tratamento distinto - com base em garantia dada pela Constituição.

A disputa deve continuar no Senado, para onde o projeto vai. Numa Casa em que há maior equilíbrio de forças entre governo e oposição, os senadores devem retomar a discussão sobre outros pontos polêmicos do projeto, como a transformação da Petrobras em operadora única de todos os campos do pré-sal.

Das quatro propostas do marco regulatório do pré-sal, apenas a que cria a empresa pública responsável pela gestão dos contratos foi aprovada pelos deputados e enviada ao Senado. Restam o projeto que trata da capitalização da Petrobras, para aumentar sua capacidade de investimento no pré-sal, e o que autoriza a constituição do Fundo Social (FS), com recursos do pré-sal, destinado a financiamento de programas e ações de desenvolvimento social e regional.

A votação do projeto da capitalização da Petrobras e do Fundo Social ficará para o ano que vem, assim como destaques do projeto de partilha que não forem votados pela Câmara. A próxima semana deve ser dedicada à votação do Orçamento da União para 2010 e créditos extraordinários pendentes, em sessões do Congresso Nacional.