Título: Governança no pós-crise
Autor: Valenti , Graziella
Fonte: Valor Econômico, 10/12/2009, EU & Investimentos, p. D1

Instalar as turbinas em pleno voo. É isso o que as companhias listadas no Novo Mercado e nos níveis diferenciados da Bovespa estão fazendo em relação à governança corporativa, especialmente nos quesitos ligados à gestão e ao controle de riscos. Estudo anual realizado pela KPMG, em parceria com o Centro de Estudos em Governança Corporativa (CEG) da Fipecafi-USP, mostra que houve uma evolução neste ano na adoção das melhores práticas em relação a 2008, mas elas ainda não são uma unanimidade mesmo entre o seleto grupo das companhias diferenciadas.

Para Sidney Ito, sócio da KPMG, a crise financeira global e os problemas enfrentados no Brasil, principalmente o episódio dos derivativos, foram fatores de pressão e reflexão importantes na promoção das melhorias verificadas. "A natureza do papel do conselho mudou muito. Talvez se não tivesse havido os derivativos não haveria esse debate nas companhias."

A pesquisa aponta mudanças principalmente na composição e no funcionamento do conselho de administração das empresas do Novo Mercado. O percentual de companhias com pessoas diferentes ocupando os cargos de presidente do conselho e presidente executivo subiu de 79% para 84% na comparação entre 2008 e 2009. A frequência de reuniões desse colegiado subiu de 5,7 para 8,5 ao ano.

"Houve uma pressão maior no último ano. Algumas empresas perceberam que precisam entregar mais que o mínimo", explica Alexandre Di Miceli, coordenador do CEG. Ele lembrou que em 2008 os resultados surpreenderam negativamente, pela baixa adesão a boas práticas quando não obrigatórias pelo Novo Mercado e níveis 1 e 2. Entretanto, a pesquisa deste ano trouxe sinais de que as companhias estão evoluindo.

O levantamento também mostrou que a proporção de empresas com comitê de assessoramento dos conselhos instalados passou para 43%, em relação a 25% do ano anterior - com destaque para o uso do Comitê de Auditoria, que aumentou de 20% para 35%. A proporção de conselheiros independentes nos comitês de auditoria avançou de 31% para 50% e a fatia de empresas com conselho fiscal instalado subiu de 40% para 46%.

Sobre a evolução, Di Miceli acredita que se trata de um processo contínuo, em que não cabe regressão. No entanto, lembra que em momentos positivos as pressões por mudanças diminuem. "A prioridade de algumas discussões diminui quando as coisas vão bem." Ito, da KPMG, também avalia que o interesse por governança é crescente. Por isso, acredita que o processo de evolução não vai parar.

Mas, enquanto há sinais de avanços entre as companhias dos níveis da Bovespa ou negociadas na Bolsa de Nova York, o mesmo não se pode dizer das listadas no mercado tradicional do país. Com isso, a própria evolução dos indicadores de governança das companhias dos níveis diferenciados da bolsa gerou um distanciamento frente às empresas tradicionais.

Nas companhias sem nenhum selo de governança, a separação entre os cargos de presidente executivo e do conselho cai para 77,8% - comparada a percentuais que vão de 84% a 89,5% entre as companhias de níveis diferenciados e com ações em Nova York. A fatia dos conselheiros independentes nas tradicionais é de 13,4%, contra mais de 30% nas adeptas do Novo Mercado e emissoras de ADRs.

Apesar da melhoria, o coordenador do CEG destaca que algumas questões negativas chamaram atenção, como a ausência de código de ética e conduta disponível em algumas empresas. "Chega a ser incompreensível, já que se trata de algo tão simples e tão solicitado pelas melhores práticas."

Todas as empresas em Nova York avaliadas pela pesquisa têm o documento disponível. Porém, esse percentual é muito menor nas listadas só no país. No Novo Mercado apenas 47% têm os códigos disponíveis e nas tradicionais, 42%.

Mas nem tudo é boa notícia nas companhias listadas nos EUA. Elas são o grupo com as pioras de indicadores mais acentuadas. Na opinião de Ito, isso está relacionado ao processo de convergência contábil do Brasil para o padrão internacional IFRS. O número de empresas que atrasou a entrega do relatório 20-F ao regulador americano, a Securities and Exchange Commission (SEC), chegou a sete, comparado a um caso em 2008.

O 20-F é o documento com todo o perfil da companhia, no qual estão informações essenciais para se entender o negócio, os riscos e as políticas e práticas das empresas.

As companhias que apresentaram deficiência relevante nos controles internos, de acordo com relatório da auditoria externa, dobrou: quatro, em relação a apenas duas no ano passado. O percentual de parecer de auditoria com ressalva foi de 9,4%, ante nenhum em 2008. E o percentual de membros do conselho fiscal indicados por minoritários caiu de 46,5% a 21%.

Ito acredita que esses problemas podem continuar ou talvez até se acentuar em 2010, já que boa parte do processo de convergência correrá no próximo ano. Para ele, as dificuldades ficarão evidentes não só nas emissoras de ADRs.