Título: Ano de incerteza para as indústrias de cacau
Autor: Batista , Fabiana
Fonte: Valor Econômico, 21/01/2010, Agronegócios, p. B12

A indústria processadora de cacau não vive seu melhor momento. A combinação de demanda em baixa e preços da matéria-prima, o cacau, em alta, resultou em queda do processamento no mundo todo em 2009, inclusive no Brasil. Para 2010, o cenário ainda é de incertezas. A começar pela falta de consenso sobre o tamanho da oferta mundial de cacau na safra atual, que começou em outubro passado. Outra incógnita é como se comportará o consumo de chocolates, achocolatados e afins, que, em grande medida, dependerá da saúde da economia global.

Em 2009, o processamento de cacau no Brasil recuou 7,6%, para 214,4 mil toneladas, segundo dados compilados pelo consultor Thomas Hartmann com base nas informações da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (Aipc) e pela Indústria Brasileira de Cacau (IBC). Proporcionalmente, a queda foi mais intensa do que a registrada pelas processadoras da União Europeia, por exemplo, que industrializaram 5,76% menos cacau no ano passado, mais ou menos a mesma queda projetada para as indústrias americanas, que divulgam seus indicadores de moagem ainda nesta semana.

Apesar de a associação que representa a indústria de chocolate no Brasil (Abicab) ainda não ter divulgado o consumo de chocolate no país em 2009, tudo indica, segundo Hartmann, que a demanda nacional não recuou. Nas contas do especialista, em 2009 a indústria brasileira de chocolate consumiu 167,5 mil toneladas equivalentes de cacau - em subprodutos da amêndoa, como manteiga e pó, volume praticamente idêntico aos 167,3 mil toneladas de 2008. "É preciso esclarecer que, apesar desse dado ser razoavelmente preciso, é um cálculo de absorção aparente de cacau equivalente, feito com base em produção, moagem, exportação e importação", afirma.

Saskia Korink, presidente da Aipc, reforça que o recuo da atividade das processadoras no Brasil foi da ordem de 8%, e que o principal fator de retração foi a demanda reprimida pela manteiga de cacau no mercado internacional. "Os mercados de exportação sofreram muito, mais do que o Brasil, que passou rápido pela crise em termos de demanda", diz Saskia.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os embarques de manteiga de cacau caíram 20% em 2009 para 20,6 mil toneladas. Os maiores compradores - Estados Unidos e Canadá - importaram em 2009 do Brasil 10,3 mil toneladas de manteiga, ante as 14,2 mil do ano anterior. A exportação de outro importante subproduto do cacau, o pó, também padeceu no ano passado: foram 24,7 mil toneladas, 17% menos que em 2008 (29,8 mil toneladas).

Na outra ponta, as indústrias de chocolate - que consomem manteiga e pó das processadoras de cacau instaladas no Brasil - também exportaram menos o produto final. De acordo com dados da Secex, os embarques brasileiros de produtos de chocolate (tabletes, bombons, achocolatados e afins) caíram para 32,7 mil toneladas, ante as 37,4 mil do ano anterior. Ainda não há dados mundiais sobre o consumo de chocolate, mas o consenso é de que ele arrefeceu. "O consumidor pode ter trocado chocolate de melhor qualidade pelo mais barato, assim como as indústrias de chocolate podem ter modificado a receita, reduzindo a quantidade de manteiga e substituindo por ingredientes mais econômicos", diz a executiva da AIPC.

E essa necessária busca por racionalização de custos, evidente neste setor, pode ter sido uma das principais razões, por exemplo, da compra da Cadbury pela Kraft, segundo Hartmann. "Não vejo que a operação trará influências no mercado de cacau", diz o especialista.

O Brasil já foi o principal produtor de cacau do mundo e chegou a produzir 423 mil toneladas na década de 80, antes da forte infestação da vassoura de bruxa, uma praga que devastou os cacaueiros do sul da Bahia, que mesmo assim segue como principal polo nacional, ainda à frente do Pará. No ciclo 2008/09, encerrado em setembro do ano passado, a produção foi de 151,4 mil toneladas, estancando o Brasil na 6ª posição de maior produtor mundial da amêndoa, atrás da líder Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e Indonésia.

As maiores processadoras de cacau do mundo também são as maiores do Brasil: as multinacionais Cargill, ADM e Barry Callebaut. Algumas delas também produzem chocolate, sem obviamente, competir com os seus clientes produtores de chocolate para o varejo, como Kraft, Cadbury e Nestlé.

Na safra 2008/09, encerrada em setembro, o mundo produziu 3,4 milhões de toneladas da amêndoa, enquanto a indústria consumiu 3,508 milhões. Para 2009/10, há fortes incertezas. "As previsões vão desde déficit de 197 mil toneladas a superávit de 80 mil", diz Hartmann. Para Saskia, o ano de 2010 é também uma incógnita. "Se de um lado a depreciação dos preços da manteiga traz perspectiva de retomada, por outro, a proximidade da primavera no Hemisfério Norte, tende a reduzir o consumo".