Título: Desistência dificulta candidatura de Ciro à Presidência
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 21/12/2009, Política, p. A10

A seguir, a entrevista com o professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Carlos Ranulfo ao Valor:

Valor: A candidatura de José Serra à presidência sofrerá um abalo com a desistência de Aécio Neves em concorrer?

Carlos Ranulfo Melo: Fará muita diferença em Minas Gerais. A presença de Aécio Neves como candidato presidencial ou como vice na chapa de José Serra tornaria muito difícil o trabalho por Dilma Rousseff no Estado.

Valor: Até que ponto o sentimento de frustração regional pesa para o eleitor?

Melo: Não penso que haja, fora do âmbito da elite mineira, repercussão para o discurso regional. Não foi a presença de José Alencar na chapa que garantiu a Lula vitórias no Estado em 2002 e 2006. Acho que o ponto central para se pensar em efeito eleitoral é o peso do governador em si. Aécio é o governador mais bem avaliado que Minas Gerais já teve, o único a ser eleito duas vezes, com ou sem reeleição. Ele tem popularidade por si e a ausência dele na chapa é um peso.

Valor: Um dos propósitos de Aécio é tornar-se uma figura nacional, como era o avô Tancredo Neves pouco antes de eleger-se presidente no Colégio Eleitoral em 1985. O senhor acha que Aécio conseguiu?

Melo: São realidades muito distantes no tempo para se permitir comparação, mas Aécio tem uma imagem de realizador administrativo que Tancredo não teve. Mas o peso que Tancredo tinha nacionalmente era indiscutivelmente maior antes dele chegar à Presidência da República do que é o de Aécio hoje. Já era maior antes de Tancredo ser governador. Aécio dentro de Minas Gerais possui uma densidade eleitoral acima da do avô, mas em termos de Brasil não tem a mesma densidade política.

Valor: No processo de disputa interna do PSDB Aécio procurou se projetar como um político capaz de produzir no País um novo alinhamento partidário, ampliando a aliança que marcou as últimas quatro eleições. O senhor acha que ele poderia conseguir isso?

Melo: Ele poderia sim, mais que Serra, fazer um realinhamento, mas em termos limitados. O grande pólo não mudaria. Por muito tempo vamos continuar tendo uma disputa liderada pelo PT de um lado e o PSDB do outro, com o PMDB oscilando entre os dois. É um grande ponto de estabilidade em um sistema partidário cronicamente instável. Mas no Senado Aécio certamente irá procurar relançar-se como conciliador. Com alcance limitado, contudo, sobretudo em termos eleitorais.

Valor: Como ele poderá ter papel protagonista em uma casa historicamente dominada pelo PMDB?

Melo: Exatamente por ser uma figura que demarca distância em relação ao padrão dominante no PSDB. Ele transita bem dentro do PMDB e ao mesmo tempo mantém espaço de convivência no PSDB. Se ele tivesse alguma intenção de sair do PSDB, porque não o fez no instante em que percebeu que não seria candidato este ano? E este instante com certeza ocorreu há algum tempo.

Valor: Quais as conseqüências imediatas que a retirada de Aécio provoca no quadro eleitoral?

Melo: A óbvia é tornar inevitável a candidatura Serra. Em Minas, Aécio diminui o espaço para uma aliança com o PMDB, porque ele demonstra que colocará muito empenho para a eleição de Anastasia como seu sucessor e porque, como candidato ao Senado, retira uma vaga do Legislativo no pacote da negociação. A disputa para o Senado em Minas fica muito difícil. É razoável pensar em um cenário com três candidaturas ao governo: Hélio Costa, Anastasia e alguém do PT.

Valor: Isto não prejudica muito a candidatura de Dilma Rousseff?

Melo: Pelo contrário, acho que auxilia. O palanque duplo favorece a realização de segundo turno em Minas, o que é bom se pensarmos que deve haver segundo turno na eleição presidencial.

Valor: O senhor acredita em eleição presidencial em dois turnos?

Melo: Sim, Dilma tende a crescer nas pesquisas em função das boas perspectivas econômicas para 2010 e Marina Silva deve ter uma votação suficiente para viabilizar o segundo turno, como foi com Heloisa Helena em 2006.

Valor: E o Ciro Gomes?

Melo: Não acredito na candidatura de Ciro. Acho que a retirada de Aécio na verdade a torna mais difícil, porque ele especulava com a hipótese de um eixo com Minas que agora não vai mais existir. Ciro não tem sequer o bloquinho que tentou construir. Está sozinho, em um partido no qual não tem o controle.(C.F.)