Título: Taxa de câmbio e exportações
Autor: Holland , Márcio
Fonte: Valor Econômico, 08/02/2010, Opinião, p. A8

Tem sido animado o debate sobre o papel da taxa de câmbio no desempenho das exportações brasileiras. Para muitos economistas, as exportações dependem muito pouco, senão nada, da taxa de câmbio. Elas seriam função muito mais do crescimento mundial e do preço internacional de nossas exportações, as commodities. Outros economistas, em meio a uma grande polêmica sobre a desindustrialização brasileira, têm mostrado que as exportações de manufaturados têm inclusive crescido bastante e que essa preocupação não procederia. Esse artigo sugere que a taxa de câmbio foi e continua sendo relevante para explicar o comportamento das exportações brasileiras e que a pauta de exportações tem se alterado de produtos manufaturados para produtos primários.

Olhando com calma os últimos oito anos, de 2003 a 2008, a despeito da forte apreciação na taxa real de câmbio, as exportações totais brasileiras apresentaram um extraordinário desempenho. Elas saíram de US$ 72 bilhões, em 2003, para US$ 197 bilhões, em 2008. E isso, certamente, dá margem à controvérsia sobre o papel da taxa de câmbio nas exportações. O que se sabe também é que as importações totais têm crescido bastante, reduzindo crescentemente o saldo comercial. Naquele mesmo período, as importações totais cresceram de US$ 48 bilhões para US$ 172 bilhões.

Mas, observando com mais cuidado o comportamento das exportações por fator agregado, nota-se grandes mudanças na sua composição. As exportações de produtos básicos têm ampliado substancialmente sua participação nas exportações totais, saindo de menos de 30% para 42,5%; ao mesmo tempo as exportações de produtos manufaturados se movimentaram de mais de 54% para 42,7%. Ou seja, a pauta de exportações tem se alterado claramente rumo a produtos básicos. Entre esses estão os minérios de ferro e seus concentrados, soja menos triturada, óleos brutos de petróleo, carne de frango congelada, fresca ou resfriada, incluindo miúdos, entre outros. Vale dizer que os minérios de ferro cresceram mais de três vezes, assim como café cru ou em grãos.

De outro lado, grande parte dos produtos que compõe o segmento "manufaturado" apresenta crescimento, como as exportações de aviões e automóveis de passeio, partes e peças de veículos e tratores; incluem também produtos baseados em recursos naturais como açúcar refinado, álcool etílico, suco de laranja não congelado. Todos esses produtos considerados manufaturados apresentam algum crescimento. Contudo, o segmento em geral vem crescendo bem menos do que o de produtos básicos.

Fizemos um exercício empírico para avaliar o efeito da taxa real de câmbio sobre as exportações totais e por segmentos, em estimação de séries temporais, com dados anuais de 1980 a 2008. Os resultados mostraram que para o caso das exportações totais, bem como de segmentos como manufaturados e bens de consumo durável e não durável, a taxa de câmbio é inquestionavelmente relevante. Apenas para se ter uma idéia dos resultados, dispensando detalhes dos procedimentos econométricos, uma desvalorização na taxa real de câmbio em 10% deve ter um efeito de curto prazo de 2,2% de aumento nas exportações totais brasileiras e pode chegar a 5,5% em certos segmentos das exportações. No longo prazo, o efeito de 10% de desvalorização cambial aumenta as exportações totais em 11%, ou em 15% as exportações manufaturadas, em 8% as exportações semimanufaturadas e de bens de capital, e em 16% as exportações de bens de consumo, seja durável, seja não durável.

Vale destacar que a grande mudança no mercado consumidor doméstico tem dado uma outra dimensão para os saldos comerciais em geral, com forte crescimento na demanda por importados. Contudo, não teríamos crescimento tão elevado de importações de bens de consumo, duráveis e não-duráveis, e mesmo de bens de capital, não fosse a apreciação cambial. Mas, mais importante do que seu resultado sobre o saldo comercial, o Real apreciado vem mudando fortemente o que exportamos. Os primeiros setores a sentirem com a apreciação cambial são aqueles com menor vantagem competitiva "natural", ou seja, os segmentos industriais. Mas, não se pode negar que mesmo os setores com competitividade advindas da abundância de recursos naturais não tenha sentido os efeitos de viver sobre um moeda tão volátil e tão apreciada. Basta observar os dados de aumento de volume exportado versus a receita com tais exportações. Numa palavra, esses setores intensivos em recursos naturais tem tido muito esforço em exportar toneladas métricas para mesmo resultado financeiro.

Em síntese, há uma grande mudança na composição da pauta de exportações brasileiras rumo a exportações de produtos básicos e agrícolas; a taxa de câmbio tem papel central nessa dinâmica, assim como na explicação das exportações de produtos com maior grau de industrialização ou mais intensiva em tecnologia, mais do que na dinâmica das exportações de primários e agrícolas.

Márcio Holland é professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP) e Pesquisador CNPq

Emerson Marçal é professor do Mackenzie e da FGV-EESP e Coordenador do Cemap