Título: Projeto anticorrupção pode coibir caixa 2
Autor: Lyra , Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2010, Política, p. A5

O projeto de lei que o governo encaminhou ontem ao Congresso Nacional instituindo penalidades para empresas que corrompem entes públicos poderá ter, além de impactos econômicos, desdobramentos políticos. Fruto de uma parceria entre a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Ministério da Justiça, o projeto prevê a aplicação de multa equivalente a algo entre 1% e 30% do faturamento bruto das empresas, a proibição de participação em licitações públicas e o veto à obtenção de financiamentos estatais.

Para um dos autores do projeto, a medida, se aprovada, poderá coibir o financiamento ilegal de campanhas eleitorais, prática conhecida como caixa 2. "Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Em todos os contratos investigados pela CGU, sempre buscamos as "gorduras" que possam gerar recursos para abastecer financiamentos políticos posteriores", disse ao Valor o chefe da CGU, ministro Jorge Hage.

Para Fernando Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o projeto, se conseguir estabelecer uma ligação direta entre a corrupção empresarial e o financiamento ilegal de campanhas, poderá facilitar uma punição mais severa dos corruptores. "A ideia é boa. É preciso ver também como será a tramitação dessa proposta no Congresso e como sairá o produto final", ressalvou Neves.

Já o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da FGV-SP, teme que a iniciativa gere questionamentos constitucionais. "O modelo atual não é bom, porque o funcionário pode transformar-se em um fusível centralizador da culpa. Mas há juristas que poderão considerar injusta a generalização de uma culpa que em certos casos pode ser individual", explicou.

Jorge Hage acredita que o projeto surge em consonância com o novo momento vivido pelo país, tanto no plano nacional quanto na área internacional. No campo interno, é mais uma iniciativa de combate à corrupção que se soma aos projetos encaminhados no fim de 2009 ao Poder Legislativo, aumentando a pena dos corruptos e diminuindo brechas legais para que os processos sejam respondidos em liberdade.

No plano internacional, a ideia é colaborar com os anseios do país em transformar-se em um ator global, com maior participação nas decisões mundiais. Em março, a CGU conclui um relatório sobre o Brasil para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O projeto supre uma das últimas demandas apresentadas pelo organismo internacional - o Brasil é signatário do acordo da OCDE de combate à corrupção. "Tanto que o presidente Lula concordou em assiná-lo agora para podermos incluir a iniciativa em nosso relatório", disse Hage.

Hage não acredita que o projeto de lei vá enfrentar resistência do meio empresarial ao propor a punição também das empresas - e não apenas de seus funcionários - envolvidos em atos de corrupção. "Os empresários sempre reclamam dos custos da corrupção e defendem a livre disputa. Se quisermos nos tornar um país capitalista de verdade, temos que defender a competitividade justa", disse Hage.

O ministro citou reportagem veiculada recentemente pelo Valor mostrando que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos está prestando mais atenção nas empresas brasileiras, à medida que elas aumentam sua participação no mercado internacional. "Os Estados Unidos e outros países europeus já contam com uma legislação semelhante punindo empresas que praticam atos de corrupção", informou Hage.

O projeto de lei, que será publicado hoje no Diário Oficial União, prevê, além de multa, a proibição de participação em licitações e de recebimento de financiamentos de bancos públicos, a inscrição do nome da empresa no Cadastro de Inadimplentes da Receita Federal (Cadin), caso ela seja condenada e não repare os danos feitos aos cofres públicos; e a instauração e julgamento do processo administrativo pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade. No caso do Poder Executivo Federal, esta competência caberá à CGU.