Título: Dívida dos países desenvolvidos dá salto de US$ 40 tri
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Fonte: Valor Econômico, 09/02/2010, Finanças, p. C8

A "ressaca do endividamento" tende a ter efeito gradual sobre a economia real e o sistema financeiro no mundo desenvolvido, e Grécia, Portugal e Espanha servem de alerta, avaliam especialistas. É que a dívida das dez economias mais desenvolvidas aumentou cerca de US$ 40 trilhões desde 2000, numa alta de 60%, repartida igualmente entre governos, famílias, companhias e setor financeiro, segundo a consultoria McKinsey.

Essa montanha de débitos para pouco capital, no rastro da pior recessão dos últimos tempos, deve resultar em menor crescimento global no futuro e também volatilidade maior por causa de "vulnerabilidades".

A dívida somada do setor financeiro, das famílias, das empresas e dos governos dos principais países desenvolvidos saltou de 200% em relação ao PIB em 1990 para mais de 330% em 2008. E o débito soberano, dos governos, que está no centro da agenda, não é o mais preocupante na conjuntura atual, avaliam analistas.

O endividamento público mudou dramaticamente por causa da recessão que exigiu programas de estímulos urgentes e que precisam ser mantidos. Entre membros do G-7, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o endividamento público pulará de 80% do PIB em 2007 para 125% até 2014, significando em todo caso que endividamento excessivo prolongado atinge gravemente as economias.

Estudo do economista americano Kenneth Rogoff mostra que, historicamente, quando um país teve dívida pública superior a 90% do PIB, o crescimento médio caiu para 1,7% comparado a 3,7% quando a taxa ficou abaixo de 30% do PIB. O custo do serviço da dívida dos desenvolvidos está por volta de 3% do PIB. Mas pode dobrar no médio prazo, com a alta dos juros, na avaliação de assessores do Banco da Inglaterra.

Para o professor Charles Wyplosz, do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra, o mercado reage de maneira excessiva à situação da Grécia. Ele considera mais inquietante a situação de bancos na França e na Alemanha, ainda com muitos ativos tóxicos e podendo se mostrar incapazes de fornecer crédito suficiente para a retomada econômica.

No setor financeiro, o cronograma de refinanciamento nos dez países é estimado em US$ 7 trilhões nos próximos três anos. Enquanto isso, o prazo de maturidade dos débitos do setor caiu pela metade nos EUA, de 6,7 anos para 3,2 anos. Globalmente, os bancos tiveram lucro líquido de US$ 60 bilhões em 2009, quase o mesmo montante da perda de 2008, mas o grosso dos problemas que causaram a crise global ainda está intacto, incluindo uma enorme alavancagem, segundo Andrew G Haldane, diretor da área de estabilidade financeira do Banco da Inglaterra.

Entre as famílias, o endividamento em relação à renda pulou de 80% para 135% nos EUA entre 1988-2008. Na Grã-Bretanha, saltou ainda mais, de 100% para 170%. A tendência é similar na Espanha, Canadá e Coreia do Sul. No entanto, a maioria das famílias nesses países tem fortuna líquida importante. Na Grã-Bretanha, chega a ser cinco vezes superior à dívida.

Por sua vez, as companhias conseguiram captar US$ 1,2 trilhão em 2009, batendo recorde. Mas elas podem ter a capacidade de crescer limitada pelo excessivo endividamento, na medida em que as taxas de juros voltarem ao normal, ou seja, aumentarem de novo.

Na Grã-Bretanha, uma alta dos juros de longo prazo pode elevar o custo do serviço da dívida das companhias de 17% dos lucros para 33%, de acordo com o Banco da Inglaterra - mas ainda abaixo do pico de 58% dos lucros nos anos 90. Na avaliação de Wyplosz, o problema do endividamento público e privado é para ser resolvido em trinta anos. E não tem sentido exigir justamente agora planos de rigor de governos.

Daniel Gros, diretor do Centre for European Policy Studies (Ceps), ilustra uma parte do custo de um "ajuste sustentável" das finanças dos governos: a Grécia e Portugal teriam que aumentar a poupança, e isso significa cortar o consumo em 10% do PIB - algo politicamente difícil a vender à opinião pública.

Para o Banco Central do Japão, no cenário atual as economias emergentes é que deverão garantir 70% do crescimento econômico global este ano. E, para isso, torce para que elas aumentem sua demanda doméstica, como no caso da China.